Prof. Cavaco Silva no Doutoramento Honoris Causa do Prof. Jorge Braga de Macedo em Évora

23.03.2022

Prof. Cavaco Silva no Doutoramento Honoris Causa do Prof. Jorge Braga de Macedo em Évora

O ex-Presidente da República, Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, participou na Universidade de Évora da cerimónia de Doutoramento Honoris Causa do Prof. Jorge Braga de Macedo, na qual proferiu a Laudatio academica.

Segue-se o texto da intervenção do Prof. Cavaco Silva:

“A Universidade de Évora outorga hoje a sua mais alta distinção académica a um economista singular.

O Professor Doutor Jorge Braga de Macedo começou por licenciar-se em direito na Universidade de Lisboa, obteve depois o Ph.D. numa prestigiada universidade norte-americana e conquistou, por mérito próprio, um lugar de destaque na cena internacional como académico, como economista profissional e como decisor político.

Foi com especial satisfação que aceitei o convite para pronunciar a Laudatio academica.

Conheci Jorge Braga de Macedo na segunda metade dos anos 70 do século passado. Éramos colegas professores na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Católica e na Faculdade de Economia da Universidade Nova, hoje Nova School of Business and Economics.

Os seus alunos, que também eram meus, destacavam não só o domínio das matérias de macroeconomia moderna, mas também a vivacidade das aulas e a capacidade de reter a sua atenção e, mesmo, de os entusiasmar.

A sua careira como professor ganhou relevo no competitivo mercado universitário norte-americano ao lecionar na prestigiada Universidade de Princeton durante seis anos, depois de ter obtido o Ph.D. em economia na Universidade de Yale. Uma carreira que incluiu depois a lecionação no Instituto de Estudos Políticos em Paris e em outras universidades estrangeiras.

O Professor Jorge Braga de Macedo pode orgulhar-se de ter contribuído para a formação económica e financeira de múltiplas gerações de jovens portugueses e de outras nacionalidades, incentivando-lhes um espírito de rigor e de abertura ao mundo e às novas ideias e estimulando-lhes um sentido de responsabilidade na renovação das sociedades em que se inseriam.

Como verdadeiro académico, o Professor Jorge Braga de Macedo juntou à sua atividade docente uma impressionante carreira de investigador, tendo publicado dezenas de artigos em revistas internacionais de prestígio e inspirado muitos professores portugueses, hoje investigadores reconhecidos internacionalmente.

A sua ligação ao National Bureau of Economic Research dos Estados Unidos e ao Center of Economic Research do Reino Unido e a sua eleição para membro efetivo da Academia das Ciências de Lisboa em 2008 são a prova do seu elevado mérito científico.

Pode dizer-se que a economia monetária internacional foi a primeira e principal área de interesse do investigador Jorge Braga de Macedo, tendo ganho destaque os seus trabalhos sobre taxas de câmbio. O seu espírito aberto e inquieto não ficou, no entanto, confinado a essa área, tendo revelado particular atração pela investigação interdisciplinar.

De destacar os seus estudos sobre os processos de desenvolvimento económico e social, principalmente dos países africanos. A sua atração por África foi estimulada pela prestação de serviço militar em Angola nos anos 1974 e 1975, tendo para o efeito interrompido a frequência do programa de mestrado em relações internacionais na Universidade de Yale. Foi um tempo em que acumulou o serviço militar com a docência na Faculdade de Economia de Luanda.

Os seus estudos sobre a economia portuguesa foram importantes para esclarecer as questões do crescimento económico do país e das suas conexões com outras economias europeias e os países africanos de língua oficial portuguesa.

O sucesso académico do Professor Jorge Braga de Macedo a nível internacional, em particular nos Estados Unidos, chamou a atenção para o potencial dos economistas portugueses e, através da defesa do rigor e da excelência do ensino nas escolas portuguesas onde lecionou, contribuiu para elevá-las nos rankings internacionais das faculdades de economia e finanças.

Os editores do livro Economic Globalization and Governance, Essays in Honor of Jorge Braga de Macedo, para o qual tive a honra de contribuir, inventariaram 272 publicações do economista que é hoje distinguido pela Universidade de Évora com o grau de Doutor Honoris Causa. São livros, capítulos de livros, artigos em revistas, comentários, documentos sobre políticas e prefácios de livros, em áreas diversas como história económica, macroeconomia europeia e economia aberta, economia política internacional, doutrina e ciência política.

O Professor Jorge Braga de Macedo não foi apenas um académico brilhante. Exerceu também uma importante atividade profissional na promoção do bem comum em organizações nacionais e internacionais.

Neste domínio, quero começar por salientar a sua ação como Presidente do Instituto de Investigação Científica Tropical, uma outra faceta do seu interesse por África.

Tive ocasião de testemunhar a competência e o entusiasmo com que exerceu estas funções nas nossas conversas e na visita que, como Presidente da República, fiz ao Instituto em Junho de 2013, tendo então começado por plantar uma árvore no Jardim Botânico Tropical, por ele tutelado, para assinalar o 100.º aniversário da plantação de árvores no mesmo Jardim pelo primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga.

O Professor Jorge Braga de Macedo imprimiu um novo dinamismo à atividade do Instituto, apoiando a investigação interdisciplinar relevante para o desenvolvimento económico e social dos países africanos de língua oficial portuguesa e fazendo ouvir a sua voz em defesa das potencialidades da lusofonia. Empenhou-se igualmente na divulgação da ciência nos trópicos, tendo, para o efeito, promovido encontros e colóquios reunindo especialistas internacionais.

Na sua atividade profissional destaca-se também o exercício das funções de Presidente do Centro de Estudos para o Desenvolvimento da OCDE, de consultor económico de vários governos e de diretor da Comissão Europeia para as economias nacionais.

Os assuntos europeus e a integração de Portugal nas Comunidades Europeias foram também matéria do seu trabalho como investigador, sendo várias as suas publicações sobre o tema.

Contudo, não posso, nesta Laudatio academica, deixar de prestar particular atenção ao político que foi o Professor Jorge Braga de Macedo, domínio em que a ação por ele desenvolvida reforça as razões anteriormente referidas para que a Universidade de Évora lhe outorgue o grau de Doutor Honoris Causa.

A política foi uma área em que, mais do que qualquer outra, acompanhei de muito perto o seu trabalho.

Para Jorge Braga de Macedo os académicos não devem furtar-se a dar o seu contributo direto à promoção do bem estar coletivo, colocando o seu conhecimento teórico ao serviço da prática política.

Ao fazê-lo, estava consciente de que passava do campo da ciência económica como Lionel Robbins a definiu em 1932 – o estudo da utilização ótima de recursos escassos – para o campo da economia política, em que as restrições e fatores políticos influenciam as decisões económicas. Sabia que, aos economistas, quando na política, não basta conhecerem os modelos económicos, têm de perceber a essência da vida coletiva e que, muitas vezes, as soluções possíveis, não são soluções ótimas determinadas por análises racionais.

O Professor Jorge Braga de Macedo foi Ministro das Finanças do XII Governo Constitucional, de outubro de 1991 a dezembro de 1993.

Sobre o convite que, como Primeiro-Ministro, lhe dirigi para desempenhar essas funções escrevi, no 2.º volume da minha Autobiografia Política, o seguinte: “Jorge Braga de Macedo era então, por mérito próprio, uma dos diretores da Comissão das Comunidades Europeias. Tinha sido meu colega na universidade, onde era considerado uma mente cientificamente brilhante, mas eu não dispunha de indicações quanto à sua capacidade política. Pesou muito na minha decisão o seu domínio das questões comunitárias dado que ao Ministro das Finanças cabia um papel relevante no exercício da presidência do Conselho das Comunidades”.

Exerceu as funções ministeriais num tempo económico particularmente difícil e em que Portugal esteve envolvido nas negociações finais do Tratado de Maastricht que instituiu a União Económica e Monetária.

A Europa comunitária viveu nos anos 1992-1993 a pior crise económica depois da II Guerra Mundial, sendo Portugal atingido pela redução da procura das suas exportações. O Ministro das Finanças, juntamente, com outros ministros, desempenhou um papel importante no desenho e aplicação das políticas públicas visando atenuar a incidência nacional negativa da crise económica internacional.

O Ministro Jorge Braga de Macedo está também associado à decisão do Conselho de Ministros de fevereiro de 1993 de avançar com um dos investimentos públicos de maior dimensão alguma vez realizado em Portugal e de que muito se tem falado ultimamente, em razão da seca extrema em que, até há poucos dias, se encontrava parte do país, e da sua importância para o Alentejo.

Refiro-me à barragem do Alqueva, um empreendimento hoje reconhecido de relevância nacional, de tal modo que, no ano 2020, decidi deixar escrito, em livro, devidamente documentado, o processo político que conduziu à decisão da sua construção.

Recordo-me da reunião a sós com o Ministro das Finanças, três dias antes da visita que fiz ao Alqueva, em 26 de fevereiro de 1993, para assistir ao arranque das obras de terraplanagem, para falarmos sobre o impacto orçamental do projeto do Alqueva e a negociação dos apoios financeiros a obter junto da União Europeia.

Jorge Braga de Macedo participou também na reunião do Conselho de Ministros de maio de 1993 que criou a Comissão Instaladora da Empresa do Alqueva, que deu lugar, depois, ao Decreto-Lei de novembro de 1994 que constituiu a EDIA, tornando irreversível a construção da barragem.

Mas foi na defesa dos interesses portugueses no plano da integração europeia que o ministro Jorge Braga de Macedo desempenhou um papel particularmente relevante.

Em dezembro de 1991 participou no Conselho Europeu de Maastricht que, ao instituir a União Económica Monetária, estabeleceu as raízes do Banco Central Europeu e da moeda única, o Euro. Onze Estados-membros acordaram estender a partilha de soberania a áreas do núcleo central dos Estados: a moeda, o orçamento, a defesa e segurança e a política externa. Foi a mais profunda alteração até hoje realizada do Tratado de Roma que criou a Comunidade Económica Europeia, em março de 1957. Maastricht é um verdadeiro marco na história europeia e mundial.

O Ministro Jorge Braga de Macedo, juntamente com o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, muito me ajudaram na escolha da estratégia que, como Primeiro-Ministro, me coube defender e que se revelou vencedora no Conselho Europeu de Maastricht.

Em 7 de março de 1992, na cidade de Maastricht, o Ministro das Finanças, Jorge Braga de Macedo, assinou formalmente, em nome de Portugal, o novo Tratado, juntamente com João de Deus Pinheiro, então Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Mais decisivo foi o papel de Jorge Braga de Macedo como decisor político num dos domínios em que revelara particular interesse como investigador. Tratou-se da adesão do Escudo ao mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, em 6 de abril de 1992, um passo determinante para a concretização do grande desígnio de Portugal que era a sua integração no grupo fundador da Zona Euro, como veio a acontecer.

De modo a evitar movimentos especulativos contra a nossa moeda, foi exclusivamente com o Ministro Jorge Braga de Macedo que discuti o assunto e me apoiei para determinar o dia e a hora do anúncio da decisão.

No 2.º volume da minha Autobiografia Política descrevo a difícil reunião dos representantes dos ministros das finanças e dos governadores dos bancos centrais dos doze Estados-membros, convocados de emergência para o sábado 4 de abril de 1992, para aprovar a adesão do Escudo ao Sistema Monetário Europeu, a qual se prolongou durante 9 horas.

O ponto principal da discórdia com os parceiros europeus estava na taxa de câmbio do escudo em relação à moeda comunitária denominada ECU.

Em Lisboa, durante a tarde e a noite de sábado, em contacto permanente com o Ministro Jorge Braga de Macedo, beneficiando da sua qualidade de especialista na matéria, acordámos nas instruções que foram sendo transmitidas à delegação portuguesa em Bruxelas.

Vivemos momentos de grande preocupação e ansiedade. Se a decisão não tivesse então sido tomada, muito provavelmente Portugal não teria sido um dos países fundadores da Zona Euro e parte do crédito deve-se ao Ministro Jorge Braga de Macedo.

Em setembro de 1992 e em maio e julho de 1993, os conhecimentos académicos do ministro Jorge Braga de Macedo sobre política cambial voltaram a revelar-se de extrema utilidade não só no plano nacional mas também para a comunidade europeia do seu tempo.

A instabilidade que atingiu o Sistema Monetário Europeu, envolvendo ataques especulativos à libra esterlina, a lira italiana, à peseta e ao franco francês confrontou o governo português com decisões muito difíceis sobre a cotação da nossa moeda, o Escudo. Nos primeiros dias de agosto de 1993, Jorge Braga de Macedo foi um participante ativo na reunião dos Ministros das Finanças da União que, perante a ameaça de colapso do Sistema Monetário Europeu, decidiu o alargamento generalizado para 15% das bandas de flutuação de uma moeda em relação às outras, assim repondo a sua estabilidade.

Lembro ainda que a atividade cívico-política de Jorge Braga de Macedo não se limitou ao exercício das funções de Ministro das Finanças. Foi deputado à Assembleia da República, tendo sido presidente da Comissão de Assuntos Europeus, assim contribuindo para o debate sério e informado da integração europeia na casa da democracia.

Magnífica Reitora

Senhoras e Senhores

Como penso ter deixado claro, o Professor Jorge Braga de Macedo preenche de forma superlativa os requisitos para que lhe seja outorgado o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade de Évora.

É impressionante a sua versatilidade e autoridade em múltiplos domínios, não só económicos e financeiros, como resulta evidente da sua obra como académico, tendo mantido ao longo da sua carreira um sábio equilíbrio entre a atividade intelectual e científica e a sua ação como economista profissional e como político.

Levou a macroeconomia moderna aos mais variados países, colocou o seu saber ao serviço de grandes organizações internacionais, estabeleceu relações com intelectuais de estatura internacional, fazendo ouvir a sua voz no debate sobre os grandes problemas e desafios do seu tempo.

Para além de um brilhante académico português, o Professor Doutor Jorge Braga de Macedo é um cidadão europeu e um cidadão do mundo.

Tenho dito.”