Prof. Cavaco Silva lançou livro “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”

15.09.2023

Prof. Cavaco Silva lançou livro “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”

O Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva lançou o seu novo livro, “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”, numa sessão no Grémio Literário na tarde de sexta-feira, dia 15 de Setembro. A apresentação do livro esteve a cargo do Dr. José Manuel Durão Barroso, ex-Primeiro-Ministro e ex-Presidente da Comissão Europeia. Usaram igualmente da palavra, o Presidente do Grémio Literário, Dr. António Pinto Marques e, da parte da Porto Editora, a Dra. Ana Luísa Calmeiro.

No decurso da apresentação, o Prof. Cavaco Silva proferiu a seguinte intervenção:

«Muito agradeço a presença de todos vós. Muito me sensibiliza que, nesta sexta-feira que ainda é de verão, tenham aceitado o convite para se deslocarem ao Grémio Literário, uma instituição centenária de grandes tradições de que sou membro honorário.

Na pessoa do seu Presidente, Dr. António Pinto Marques, muito agradeço a disponibilidade desta bela sala para a apresentação do livro.

Dirijo uma palavra especial de agradecimento à Senhora Dra. Manuela Eanes, que representa também o seu marido, General Ramalho Eanes, um Presidente a quem a democracia portuguesa muito deve.

Saúdo também o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o Presidente do PSD, que aceitaram interromper os seus muito afazeres e solicitações para estarem hoje aqui.

Ao Dr. José Manuel Durão Barroso, muito agradeço ter aceitado o convite para fazer a apresentação deste livro. O exercício das funções de Presidente da Comissão Europeia durante 10 anos fez do Dr. Durão Barroso o português vivo que maior influência exerceu na cena internacional. No apoio a Portugal, em momentos difíceis, foi inexcedível, como tive ocasião de testemunhar.

Sendo a segunda parte do livro sobre Portugal e a União Europeia, era para mim claro que o Dr. Durão Barroso era a pessoa certa para fazer a apresentação do livro, sabendo eu que a ciência política era também uma área do seu conhecimento.

Este é o quarto livro que publico na Porto Editora. Só posso agradecer, na pessoa da Dra. Ana Luísa Calmeiro, o excelente trabalho realizado.

Ouço às vezes queixas dos autores em relação às editoras. Não é o caso da minha relação com a Porto Editora.

Sobre o livro, quero começar por explicar a razão por que escrevi o ensaio “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”, que constitui a sua parte central do livro. Tendo acabado de escrevê-lo em janeiro deste ano, é nula a influência de acontecimentos políticos dos últimos oito meses.

A minha primeira atividade profissional, depois de completar a licenciatura em Finanças e a comissão militar em Moçambique, foi a de investigador académico na área de economia.

Ao escrever o ensaio o “Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”, senti-me como que a voltar aos meus tempos de investigador, agora numa área que não é a da minha especialidade.

Comecei como investigador na Fundação Calouste Gulbenkian em janeiro de 1966, uma atividade que se prolongou até ao fim de 1979, quando tomei posse como Ministro das Finanças e do Plano do Governo presidido por Francisco Sá Carneiro.

Foram quase quinze anos dedicados à investigação.

O primeiro artigo que publiquei foi sobre o Dow-Jones Industrial Average, o famoso índice da Bolsa de Nova York. Seguiram-se dois livros sobre o mercado financeiro português.

Depois, concentrei a minha investigação na teoria da dívida pública, a qual deu lugar ao livro Economic Effects of Public Debt, publicado em Inglaterra e nos Estados-Unidos, e a vários artigos académicos.

Foi ainda nesta fase de investigador académico que puliquei o meu primeiro livro de texto universitário sobre Finanças Públicas e Política Macroeconómica e também alguns estudos sobre política fiscal.

A maior parte da minha investigação situou-se no domínio da economia positiva, isto é, no ramo da economia em que a análise incide sobre a descrição e a explicação dos factos e fenómenos económicos objetivamente considerados, tal como as coisas são.

No entanto, uma vez ou outra, aventurei-me pela economia normativa, o ramo que diz respeito aos fenómenos económicos como eles devem ser. Este é um ramo da economia que envolve juízos de valor, juízos éticos sobre como os políticos devem atuar, isto é, sobre como devem ser as políticas económicas.

A economia normativa lida com o que “deve ser”, enquanto a economia positiva lida com “o que é”.

Os economistas, as entrarem no domínio do “deve ser”, pensam afinal que a “política económica é demasiado importante para ser deixada aos políticos”, como escreveu o famoso professor britânico Lionel Robbins, que eu cito no livro.

Foram os meus conhecimentos da metodologia da economia normativa que serviram de base para escrever o modesto ensaio “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar” que constitui a primeira parte do livro.

Decidi aplicar essa metodologia a um domínio específico do sistema político português, procurar responder à questão de como deve ser o exercício da função do Primeiro-Ministro para que o Governo tenha sucesso.

Não foi uma ideia que me tenha surgido nos anos recentes. É uma ideia que tenho na cabeça há cerca de 20 anos, mas havia outros livros a publicar primeiro e que são do conhecimento de todos.

Fui influenciado, como não podia deixar de ser, pelo exercício das funções de Ministro das Finanças e do Plano, em 1980, e de Primeiro-Ministro durante 10 anos, um lugar a que cheguei com pouca experiência política.

Por outro lado, beneficiei de uma situação única.

Como Primeiro-Ministro, sentei-me à mesa com dois Presidentes da República: António Ramalho Eanes e Mário Soares.

E como Presidente da República, sentei-me à messa como três Primeiros-ministros: José Sócrates, Passos Coelho e António Costa.

Depois de cessar as funções de Primeiro-Ministro ganhei um certo interesse na observação do comportamento dos seis Primeiros-Ministros que se seguiram.

Ganhei também interesse na leitura de artigos sobre a atuação de Primeiros-Ministros europeus publicados nos jornais e revistas internacionais. A isto juntei a leitura da biografia e das memórias de alguns deles.

Antes de agarrar no lápis e começar a pôr no papel as minhas ideias, fiz uma pesquisa na literatura portuguesa de ciência política sobre o exercício da função de Primeiro-Ministro.

Encontrei muito sobre análises de tipo positivo, mas encontrei pouco sobre análises normativas, isto é, como as coisas devem ser, exceto em matéria de interpretação das normas constitucionais. Aí, há muito sobre o “deve ser”.

Estendi depois a pesquisa à literatura anglo-saxónica de ciência política e também encontrei pouco sobre análise normativa, o que não me surpreendeu.

Não só porque é muito forte a atração dos investigadores académicos para o estudo do comportamento efetivo dos Primeiros-Ministros, mas também devido à ausência de uma teoria sobre o que deve ser a atuação dos chefes de governo, o que é explicado pela diferença entre os países dos respetivos sistemas políticos.

Concluí, assim, que tinha à minha frente um espaço demasiado aberto para escrever um ensaio sobre o deve ser do comportamento de um Primeiro-Ministro português, o que me assustou um pouco, mas não desisti.

A análise normativa exige da parte do investigador a especificação, com toda a clareza, dos objetivos que são considerados desejáveis para o País.

Tendo presente as competências que a Constituição da República atribui ao Primeiro-Ministro e a sua qualidade de membro do Conselho Europeu, parti para as minhas reflexões sobre o que deve ser o comportamento do Primeiro-Ministro tomando como objetivo desejável o sucesso do Governo, sendo este definido em termos de progresso do País nas suas diferentes dimensões, numa perspetiva de médio e longo prazo, e não em termos de resultados eleitorais e preservação do poder.

Excluí totalmente da minha análise a atuação do Primeiro-Ministro como líder partidário.

Embora o progresso social, económico, cultural e ambiental do País, tendo em devida conta não só o curto prazo mas também os interesses das gerações futuras, possa parecer como o objetivo adequado para um Governo português, o certo é que se trata de uma escolha que enferma do subjetivismo próprio das análises normativas. Para isso, no livro, chamo a atenção dos leitores.

Um investigador que escolha um objetivo diferente, defenderá comportamentos para o Primeiro-Ministro diferentes daqueles que constam do meu livro.

Deixem-me apresentar um caso extremo, em que as minhas reflexões sobre o comportamento ótimo do Primeiro-Ministro seriam totalmente destruídas.

Seria o caso da escolha do objetivo do Governo feita pelo pensador florentino, do princípio do século XVI, Nicolau Maquiavel, na sua obra O Príncipe.

Inspirado no estilo de governação de César Bórgia, Maquiavel identifica as normas de conduta que o Príncipe deve adotar para conquistar, reinar e manter o poder.

A análise normativa de Maquiavel sobre a atuação do governo sugere que os fins justificam os meios e escreve mesmo que o ideal seria o Príncipe “ser amado e temido, mas na impossibilidade de ter ambos, o melhor é ser temido”.

Mas não precisamos de recuar ao século XVI para exemplificar como os resultados da análise dependem do objetivo considerado desejável para o País.

Um investigador do século XXI, que defina o sucesso do Governo em termos de permanência no poder, aconselhará um Primeiro-Ministro, por exemplo, a adotar políticas em que predominem os benefícios diretos, de curto prazo e de fácil perceção para os eleitores e em que os custos dessas políticas estejam distantes no tempo e não sejam fáceis de identificar, isto é, que o Primeiro-Ministro procure iludir os cidadãos e que estes não se apercebam da sua mentira.

Repito, no meu ensaio não defino sucesso do Governo em termos de sucesso eleitoral e preservação do poder.

A minha análise do que deve ser o comportamento de um Primeiro-Ministro português supõe que ele preside a um Governo de um só partido e que dispõe de apoio maioritário na Assembleia da República.

Mas o ensaio encerra com um capítulo em que identifico as alterações dos aspetos da arte de governar no caso de um Governo de coligação pós-eleitoral de dois partidos.

Resulta claro da minha reflexão que o exercício das funções de Primeiro-Ministro é uma tarefa muito exigente e que o seu comportamento é decisivo para o sucesso do Governo e resolução dos problemas do País.

Noto que, no escrutínio que entre nós é geralmente feito do trabalho dos Primeiros-Ministros, se tende a ignorar a centralidade e a amplitude das competências que a Constituição lhe atribui.

Recordo que lhe compete:

  • dirigir o funcionamento do Governo;
  • dirigir a política geral do Governo;
  • coordenar e orientar a ação de todos os ministros;
  • propor ao Presidente da República a nomeação e exoneração dos ministros e secretários de Estado.

E diz-nos ainda que os ministros e os secretários de Estado são responsáveis perante o Primeiro-Ministro.

Com competências de tal dimensão, não surpreende que o Primeiro-Ministro seja visto como a voz do Governo como órgão de soberania.

Quero chamar a atenção para o seguinte.

O que defendo no ensaio sobre o que deve ser o comportamento do Primeiro-Ministro, sobre a sua arte de governar, é um ideal, um ótimo que, na prática, é impossível de ser cumprido na sua plenitude.

Mas diria o seguinte: se um Primeiro-Ministro português se afastar significativamente desse ideal, será impossível o seu Governo ter sucesso, sendo este, repito, definido em termos de progresso do País nas suas diferentes dimensões.

Se eu tivesse de escolher a tarefa mais difícil, em termos pessoais, para um Primeiro-Ministro, escolheria a realização com sucesso de uma verdadeira remodelação ministerial, a substituição de 3, 4 ou 5 ministros de uma assentada.

Exige sangue frio, sigilo e preparação e execução meticulosas. Apanhar a comunicação social e o país político de surpresa é o ideal.

Quando exerci as funções de Primeiro-Ministro, fiz duas verdadeiras remodelações ministeriais, uma em janeiro de 1990, em que substitui 5 ministros, e uma segunda, em dezembro de 1993, quando faltavam 23 meses para o fim do meu mandato, em que substitui 4 ministros. Tanto uma como outra apanharam o país político de surpresa.

Reconheço que, nos tempos atuais de agressividade mediática e de novas tecnologias de informação, é muito mais difícil alcançar esse ideal. Mas o superior interesse nacional deve sempre prevalecer.

A segunda parte do livro, inclui seis textos sobre a União Europeia, selecionados de entre os muitos que escrevi ao longo dos anos.

O facto de ter exercido as funções de Primeiro-Ministro na primeira década da integração europeia de Portugal, um tempo de mudanças de dimensão histórica, fez de mim um estudioso e um defensor entusiasta da União Europeia e, em particular, do seu núcleo duro, a União Económica e Monetária, a Zona Euro.

Logo em outubro de 1997, antes de o Euro entrar em circulação, publiquei o livro “Portugal e a Moeda Única”, com o prefácio de Jacques Delors, um dos pais fundadores do projeto do Euro.

Em março de 1999, quando onze Estados-membros, entre os quais Portugal, viviam o terceiro mês do Euro como moeda oficial, mas ainda não circulavam as notas de banco e as moedas metálicas euro, que só chegaram em 1 de janeiro de 2002, publiquei o livro “União Monetária Europeia”.

Nos textos agora publicados no livro procuro explicar que a União Económica e Monetária, embora ainda incompleta, é uma construção única verdadeiramente notável e da maior importância para a projeção internacional da União Europeia.

Vinte Estados-membros, com 350 milhões de habitantes, com diferentes sistemas políticos, culturas e tradições partilham a mesma moeda, o Euro, e transferiram para o Banco Central Europeu o controlo da moeda em circulação, a condução da política monetária e da política cambial, a gestão das reservas externas e a supervisão bancária, tudo áreas que eram consideradas como pertencendo ao núcleo central da soberania dos Estados.

Costuma dizer-se que resta aos Estados-membros, como símbolo de soberania, a bandeira nacional, ao lado da bandeira da União Europeia, e a seleção nacional de futebol.

Em nenhuma fase da história da Europa e em nenhuma outra parte do mundo foi posta de pé uma partilha voluntária de soberania desta natureza e dimensão, entre tantos Estados-membros.

Esta construção europeia já passou por várias crises, mas em todas elas a resposta dos líderes europeus foi no sentido de aprofundar e aperfeiçoar o projeto e não de retroceder.

A Zona euro tem de facto muita força. O Euro, como moeda mundial de pagamento, de investimento, de reserva e âncora das moedas de muitos outros países, está aí firme e para ficar.

Em outra ocasião afirmei e repito: os portugueses têm múltiplas razões para se congratular mil vezes por Portugal pertencer à União Europeia e à Zona Euro.

Em que situação estaria Portugal, que em democracia já passou por três crises financeiras graves, exigindo o recurso a intervenção externa, se não tivesse acesso ao Banco Central Europeu e a um mercado financeiro internacional alargado?

A União Europeia e a Zona Euro são indiscutivelmente os espaços em que Portugal pode realizar melhor os objetivos de desenvolvimento, de bem estar da população e de afirmação internacional.

Depois de um país entrar na Zona Euro, a porta de saída fica-lhe praticamente fechada. Importa portanto ao Governo não cometer erros e não fazer da União Europeia o “bode expiatório”.

O Governo de qualquer dos Estados-membros tem pavor do que aconteceria ao país se tomasse a decisão de sair do Euro.

Todas estas são matérias que trato no livro e espero que contribuam para esclarecer os leitores sobre a centralidade da União Europeia e da Zona Euro no processo de desenvolvimento de Portugal e no nosso devir coletivo.

Para terminar, espero que o modesto ensaio normativo na área da ciência política, de quem não é especialista na matéria mas tem uma experiência única, contribua para a melhor compreensão das responsabilidades do Primeiro-Ministro português, para a avaliação do desempenho das suas funções e também para estimular reflexões normativas em outros domínios do nosso sistema político.»

Fotografias: João Aguiar