Presidente Cavaco Silva no encerramento da comemoração dos 60 anos da morte de Aquilino Ribeiro

25.05.2024

Presidente Cavaco Silva no encerramento da comemoração dos 60 anos da morte de Aquilino Ribeiro

O ex-Presidente da República, Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, esteve presente na cerimónia de encerramento das comemorações dos 60 anos da morte do escritor Aquilino Ribeiro, que teve lugar no Panteão Nacional no dia 25 de Maio, com a presença da Ministra da Cultura. A cerimónia contou com intervenções musicais a cargo da orquestra do Conservatório Regional de Música de Ferreirim, Sernancelhe e envolveu as autarquias de Moimenta da Beira, Paredes de Coura, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva.

Nesta ocasião, teve lugar a apresentação da reedição da obra Geografia Sentimental, promovida pelo Município de Sernancelhe e pela Bertrand, que tem um prefácio da autoria do ex-Presidente. A obra foi apresentada pelo neto do escritor, Prof. Aquilino Ribeiro Machado. O Prof. Cavaco Silva proferiu, no final da sessão, uma breve alocução: 

Homenagem a Aquilino Ribeiro

Pela segunda vez regresso ao Panteão Nacional para lembrar e homenagear um dos grandes vultos da literatura portuguesa do século XX, Aquilino Ribeiro. A primeira foi em setembro de 2007 aquando da trasladação dos seus restos mortais, cerimónia a que tive a honra de presidir.

Agora, no encerramento das comemorações dos 60 anos da sua morte e na apresentação da reedição da sua obra Geografia Sentimental que, para surpresa de muitos, inclui um prefácio da minha autoria.

Quero começar por vos dizer que foi com imensa estranheza que recebi o convite para escrever o prefácio e que resisti muito em aceitá-lo.

A minha especialidade, como é bem sabido, é a economia, as finanças públicas e, também um pouco, a integração europeia, principalmente a União Económica e Monetária, a Zona Euro.

Ouvi os argumentos que me foram apresentados para que aceitasse o convite para escrever o prefácio. Mas confesso que só acedi por manter desde há muito tempo uma forte ligação afetiva ao distrito de Viseu e em particular a Sernancelhe, terra natal de Aquilino, capital da castanha como costumo dizer, e que faz parte das boas memórias da minha vida política.

Durante alguns dias andei a meditar sobre como me desembaraçar de tal incumbência. Decidi começar com uma justificação política da aceitação do convite para escrever o prefácio da Geografia Sentimental.

Tomando como referência o mundo rural e a interioridade da Beira Alta na primeira metade do século XX, o isolamento e a pobreza das populações, a falta de equipamentos sociais, a ausência de oportunidades para subir na vida que inspiravam Aquilino Ribeiro, aproveitei para lembrar a minha responsabilidade como político pela profunda mudança dessa geografia que teve lugar nos anos 80 e 90 do século passado e o esforço desenvolvido para melhorar a coesão territorial.

Lembrei um pouco do que foi feito durante a minha década de Primeiro-Ministro, assim como os bons exemplos de mudança que trouxeram às “Terras do Demo” uma nova energia que tive a oportunidade de testemunhar nos meus roteiros pelo interior do país como Presidente da República.

Tenho a certeza de que Aquilino se alegraria com essas mudanças que ocorreram nas terras da sua Beira.

Percebi, no entanto, que não podia ficar-me por uma justificação política da decisão de aceitar escrever o prefácio.

Voltei a ler Geografia Sentimental em que, por obrigação escolar, tinha contactado apressadamente há várias décadas.

Embora se possa pensar que, perante o subtítulo do livro – “História, Paisagem, Folclore” – se trata de um manto de retalhos, o certo é que encontrei nele um fio condutor do princípio ao fim: o rio Vouga.

É uma viagem inesquecível por caminhos de pedras em que vamos encontrando paisagens extremas, aldeias e gentes com as suas histórias mágicas em cada curva, gentes de fibra rija, determinada a enfrentar as agruras da vida.

Ler hoje a Geografia Sentimental, contemplar a extraordinária qualidade da prosa de Aquilino, é entrar numa Beira e num tempo que tem muito para nos ensinar, é um enriquecimento da alma. Aconselho as novas gerações a fazê-lo.

Felicito as Câmaras Municipais, a Bertrand Editora e todos os outros que se empenharam na realização do programa de homenagens a Aquilino Ribeiro, um dos maiores prosadores portugueses do século XX que bem merece ser lembrado e admirado.

Neste local solene onde repousam os seus restos mortais, longe da interioridade que Aquilino tão bem descreveu na sua prosa, saudamos a sua memória.

 

 

(Fotografias: Município de Sernancelhe)