Presidente Cavaco Silva falou sobre Democracia e Desenvolvimento nas Conferências de Fafe

14.06.2022

Presidente Cavaco Silva falou sobre Democracia e Desenvolvimento nas Conferências de Fafe

O ex-Presidente da República, Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, deslocou-se a Fafe a convite do Presidente da Câmara Municipal para participar nas Conferências de Fafe, que assinalaram os 48 anos do 25 de Abril. A conferência, que se realizou no Teatro Cinema de Fafe, foi moderada pelo Dr. Luís Marques Mendes.

Reproduz-se o texto da conferência:

 

A DEMOCRACIA PORTUGUESA E O D DE DESENVOLVIMENTO

Cumprimento o Senhor Presidente da Câmara Municipal e o Senhor Dr. Luís Marques Mendes e felicito-os pela organização deste ciclo de conferências aqui em Fafe, uma terra a que tenho o gosto de regressar.

O 25 de Abril trouxe a Portugal a liberdade e a democracia pluralista, condições necessárias para o desenvolvimento do País e melhoria do nível de bem-estar dos portugueses, assim como para a afirmação de Portugal na cena internacional.

O caminho percorrido nestes 48 anos passou por altos e baixos. Devemos valorizar o que correu bem e tirar as devidas lições daquilo que correu mal ou menos bem.

Devemos privilegiar o espírito crítico, de modo a não nos cingirmos a uma análise saudosista, e procurar que as nossas reflexões sejam úteis para o futuro.

Começarei por lembrar alguns avanços que a Revolução permitiu e que mudaram as nossas vidas e, depois, abordarei a questão da falta de concretização do objetivo do Desenvolvimento atribuído ao 25 de abril.

1. Como momento alto, começo por destacar a adesão de Portugal – conjuntamente com Espanha – às Comunidades Europeias em Janeiro de 1986, 55 dias depois de eu tomar posse como Primeiro-Ministro. Um marco verdadeiramente histórico na vida do País que mereceu o consenso de todos os partidos democráticos.

A União Europeia é uma construção singular, alicerçada nos valores da paz, da liberdade, da democracia, do Estado de Direito e do respeito pelos Direitos Humanos. Nada de semelhante se encontra na história europeia nem em qualquer outra parte do mundo.

Para além do contributo para a consolidação da jovem democracia portuguesa e da opção pela economia de mercado, a integração europeia foi vista como a abertura de novas oportunidades de desenvolvimento e como um choque despertador das energias nacionais no sentido da modernização do País.

Juntamente com Espanha, Grécia e Irlanda, Portugal conseguiu que a coesão económica e social fosse erguida a pilar importante da construção europeia, ao lado do mercado interno.

Ao longo dos 35 anos como membro da UE, Portugal beneficiou de um montante elevadíssimo de fundos estruturais e de apoios extraordinários à resolução de problemas específicos da economia portuguesa. Foi o caso do Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa (PEDIP), do Programa de Apoio à Modernização da Indústria Têxtil e do Programa Específico de Apoio Excecional ao Desenvolvimento dos Açores e da Madeira (POSEIMA).

Portugal, inteligentemente, procurou sempre colocar a defesa dos interesses nacionais no quadro do interesse comunitário e não numa linha egoísta e nacionalista.

Portugal cumpriu os critérios de convergência para a adoção da moeda única – estabilidade de preços, estabilidade cambial e disciplina das Finanças Públicas – e integrou o grupo fundador da Zona Euro. Foi um passo estratégico da maior relevância.

Portugal passou a fazer parte de um grupo de países portador de uma moeda de referência mundial, guiado pelo princípio da estabilidade financeira.

Alguns erros de política económica cometidos pelo governo na primeira década deste século fizeram com que o País não tivesse tirado bom partido da adesão à Zona Euro. Não foram respeitadas três orientações básicas: evitar grandes desequilíbrios das contas externas, apostar no reforço da competitividade externa da economia e respeitar as regras de disciplina orçamental fixadas a nível europeu.

Em 2011 Portugal chegou a uma situação de emergência financeira, sendo forçado a subscrever um Programa de Assistência Financeira com a UE, o FMI e o BCE como contrapartida de um empréstimo de 78 mil milhões de euros.

Corrigidos os erros, os benefícios da participação na Zona Euro tornaram-se particularmente evidentes com a chegada da pandemia Covid19. Tive então ocasião de afirmar “os portugueses têm toda a razão para se congratular mil vezes por Portugal pertencer à UE e ao seu núcleo duro, a Zona Euro”.

A política do BCE tem-se traduzido em benefícios de dimensão gigantesca para Portugal. Tem financiado parte significativa do défice do orçamento do Estado a taxa de juro perto de zero e os bancos portugueses têm obtido recursos financeiros a taxas de juro muito baixas, mesmo negativas, que emprestam às empresas e aos cidadãos a baixo custo.

Por outro lado, o Programa Europeu de Recuperação Económica aprovado pela UE na sequência da pandemia está a encaminhar para Portugal muitos milhares de milhões de euros, como nunca antes verificado.

É difícil imaginar a gravidade da crise económica, financeira e social em que estaria Portugal na sequência da pandemia se não pertencesse à UE e à Zona Euro, sem acesso ao Banco Central Europeu.

O Programa Europeu de Recuperação Económica recorda-nos o muito que o país tem beneficiado dos fundos europeus. Mas devia alertar-nos também para a necessidade de os aplicarmos de forma inteligente – de forma a criar mais valor acrescentado em Portugal.

2. Outros pontos altos destes 48 anos que gostaria destacar têm a ver com a nossa organização político-administrativa.

O poder local, pelo seu contributo para a melhoria das condições de vida das populações, constitui sem dúvida um dos maiores sucessos políticos da nossa democracia.

As autarquias desempenharam um papel de grande relevo na construção por todo o país de infraestruturas básicas, de equipamentos de saúde, de educação, de desporto, de cultura e de lazer e de vias de comunicação e no apoio às pessoas mais desfavorecidas ou em situação de carência grave.

Nas décadas recentes, os autarcas destacaram-se no apoio ao fortalecimento da base produtiva e à competitividade dos respetivos concelhos, no aproveitamento dos recursos endógenos locais, no apoio ao empreendedorismo e na preservação do meio ambiente e do património histórico.

O Portugal de 2022 é muito melhor do que o Portugal de 1976, para o que muito contribuiu o esforço desenvolvido pelo poder local.

No mesmo sentido, destaco as autonomias regionais dos Açores e da Madeira, uma das construções mais dinâmicas e frutuosas da democracia portuguesa.

A solução jurídico-constitucional encontrada, reconhecendo as especificidades regionais no respeito pela integridade da soberania do Estado e atribuindo autonomia político-administrativa aos dois arquipélagos, tem sido fonte de progresso económico e social e de indiscutível melhoria do bem-estar das populações.

À democracia devem também ser associados progressos significativos no domínio do desenvolvimento social.

Foi o caso da criação do Serviço Nacional de Saúde, pelo qual o Estado assegura a todos os cidadãos o direito ao acesso aos cuidados de saúde, assim como a profunda renovação das infraestruturas e equipamentos de saúde e a abertura à iniciativa privada da prestação de cuidados de saúde.

A mortalidade infantil baixou para níveis que colocam Portugal no grupo dos melhores do mundo.

Nos anos mais recentes, verificou-se uma deterioração da qualidade dos serviços prestados aos utentes pelo Serviço Nacional de Saúde fazendo emergir como grande prioridade a sua reestruturação.

Também um avanço significativo no acesso à educação, um fator crítico da efetiva igualdade de oportunidades, do combate à exclusão social e da mobilidade intergeracional.

A taxa de escolarização no ensino pré-escolar e básico é atualmente cerca de 100%, no secundário ultrapassa 80% e o parque escolar foi profundamente renovado. A taxa de escolarização no ensino superior, no grupo etário de 18 aos 24 anos, aumentou fortemente e, hoje, universidades portuguesas ocupam posições destacadas nos rankings internacionais.

Contudo, nos anos mais recentes, os ensinos básico e secundário públicos têm revelado dificuldades em atrair professores e a sua qualidade tem sido posta em causa.

Ainda no domínio social, destaca-se a melhoria na equidade na distribuição do rendimento, a generalização do direito à pensão de velhice e invalidez e ao subsídio de desemprego e a construção por todo o país de equipamentos para acolher os mais frágeis da sociedade.

A autêntica revolução que teve lugar em matéria de infraestruturas rodoviárias, comparando Portugal bem com os países mais desenvolvidos da UE, para além do seu contributo para o desenvolvimento económico do País, foi também importante para quebrar o isolamento do interior e reforçar a coesão social.

A nível da política externa, destacaria também como momento alto da nossa democracia a resolução da questão de Macau, o pequeno território no estuário do rio das Pérolas que esteve mais de quatro séculos sob administração portuguesa.

Macau era a parcela remanescente do “império português” cujo desmoronamento descontrolado a seguir ao 25 de Abril de 1974 deixou profundas feridas na sociedade portuguesa. Ao trauma de uma descolonização africana caótica que provocou um afluxo de retornados de cerca de 7% da população portuguesa, tinha-se juntado a ocupação militar de Timor pela Indonésia.

As negociações entre Portugal e a República Popular da China para a transmissão da administração do território iniciaram-se em junho de 1986 e prolongaram-se por dez meses.

O acordo estabelecido entre os dois países foi considerado positivo, tendo sido ratificado pela Assembleia da República por unanimidade, em dezembro de 1987.

Depois de um período de transição de 13 anos, Portugal saiu de Macau com dignidade em 20 de dezembro de 1999.

Ainda no plano externo deve ser destacada a capacidade demonstrada por Portugal para, depois de anos de guerra, estabelecer um diálogo frutuoso e uma cooperação nos mais variados domínios com os países africanos de língua portuguesa. Portugal foi mesmo chamado a participar nas negociações de Angola e Moçambique para por fim à guerra civil que durante anos espalhou o sofrimento e a destruição naqueles países.

Em 1996 foi institucionalizada a Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), tendo por objetivos a concertação política e a cooperação nos domínios social, cultural e económico entre os seus membros, uma mais-valia de Portugal na cena internacional.

Em termos de ação concreta, a CPLP tem ficado aquém das expectativas, mas tem contribuído para a projeção da língua portuguesa como a quinta no mundo em termos de número de falantes e a primeira no hemisfério sul.

3. No que à economia diz respeito, a nossa democracia fica menos bem e o sentimento que suscita é de desapontamento.

Analisando o trajeto da economia portuguesa ao longo dos 48 anos de democracia encontramos mais momentos baixos do que altos. O crescimento médio anual foi inferior a 2%, para o que muito contribuíram as três crises financeiras por que o Portugal democrático passou e que exigiram intervenção externa.

Em 1978 e em 1983, em resultado dos desequilíbrios das contas externas e das finanças do Estado e do esgotamento das reservas em divisas, o país teve que recorrer ao FMI e implementar um programa de austeridade com custos elevados para os portugueses.

A crise financeira de 2011, em que Portugal esteve perto da bancarrota, foi a terceira da nossa democracia, o que não abona positivamente junto dos mercados internacionais.

Houve períodos em que, em Portugal, a taxa de inflação ultrapassou 20%, os desequilíbrios das finanças públicas e das contas externas excederam 10% do PIB e o crescimento da produtividade foi em geral bastante medíocre. Nas últimas duas décadas, Portugal foi ultrapassado em termos de rendimento per capita pela maioria dos países da Europa de leste que aderiram à UE em 2004 com um nível de desenvolvimento muito inferior.

Porventura em resultado das dificuldades económicas e financeiras, os 48 anos de liberdade e democracia pluralista não significaram estabilidade governativa. Desde Abril de 1974 tivemos 29 Governos, 6 provisórios e 23 constitucionais, um tempo médio de vida de 20 meses.

Estudos internacionais têm procurado ligar os ciclos políticos aos ciclos económicos. Há quem diga que esta teoria tem algum suporte em Portugal.

A chegada ao poder do PSD em novembro de 1985, sendo eu líder do partido, foi antecedida pela crise económica de 1983-1984.

A chegada ao poder do PS em 1995, sendo líder do partido António Guterres, foi antecedida pela crise económica internacional que atingiu Portugal em 1993-1994.

A chegada ao poder do PSD em abril de 2002, sendo líder José Manuel Durão Barroso, foi antecedida pela violação por parte de Portugal das regras europeias de disciplina orçamental. Foi o primeiro Estado-membro a fazê-lo.

A chegada ao poder do PSD em junho de 2011, sendo líder Pedro Passos Coelho, foi antecedida pela situação de bancarrota a que o Governo de José Sócrates conduziu o País.

A instabilidade governativa estaria assim associada às crises económicas e financeiras por que Portugal passou.

4. Olhemos agora para o futuro.

As múltiplas análises e debates sobre os 48 anos da nossa democracia concluem, geralmente, que falta concretizar o D de Desenvolvimento.

Penso que a razão reside na constatação de que os salários portugueses continuam baixos, mesmo para aqueles que dispõem de qualificações superiores, que o salário médio e o salário mediano estão próximos do salário mínimo e, irracionalidade perfeita, o Estado é chamado a subsidiar algumas empresas para que possam pagar esse mínimo salarial fixado administrativamente. Daí que os jovens de talento, com ambição de subir na vida, procurem outros países para a concretização dos seus sonhos.

Na base desta situação está, em primeiro lugar, o crescimento medíocre da economia portuguesa nos 48 anos de democracia, em boa parte fruto de erros de política económica.

O grande desafio que hoje a democracia tem à sua frente é o de colocar a economia portuguesa numa trajetória de crescimento anual sustentável de cerca de 4%. Sem isso, não é possível melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde e pela escola pública, o que tão importante é para os portugueses de mais baixos rendimentos e para a classe média empobrecida, com grave prejuízo para a igualdade de oportunidades e a mobilidade social.

Como tenho vindo a insistir, um crescimento económico mais forte exige a concretização de um choque estrutural que impulsione o investimento produtivo e inovador nos sectores abertos à concorrência externa, as exportações de elevado valor acrescentado e o crescimento da produtividade e da competitividade das empresas e exige políticas económicas propícias à atração do investimento internacional que favoreçam a penetração da produção nacional em novos mercados e o acesso às cadeias globais de valor.

A perceção de que falta concretizar o D de desenvolvimento resulta também da constatação de que as pensões de reforma não permitem uma vida digna a milhares de pensionistas e reformados, que a taxa de pobreza é elevada e que são muitos os portugueses em situação de carência e exclusão social.

A constatação, ainda, de que, apesar da brutal carga fiscal e da elevada despesa pública, a qualidade dos serviços públicos não é boa. É o que acontece, em particular, nas áreas da saúde, da educação, da justiça e da segurança.

Recentemente, destaquei como fundamentais medidas nas áreas da administração pública, do sistema fiscal, da justiça e do mercado de trabalho. Quero hoje falar de outras questões que me parecem importantes para melhorar, por um lado, a eficiência da nossa democracia e, por outro, a confiança dos cidadãos no sistema democrático.

5. Desempenhando o orçamento do Estado um papel central na política económica do País, seria importante proceder à reforma do processo legislativo orçamental, aproveitando o recente estudo da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). A irracionalidade do processo em vigor é bastante nociva para a eficácia das políticas governamentais e para a qualidade das finanças públicas.

De acordo com o referido estudo, a Assembleia da República admitiu à discussão na especialidade do Orçamento para 2021 1547 propostas de alteração apresentadas pelos partidos para serem discutidas num curtíssimo espaço de tempo.

As propostas não vinham acompanhadas de qualquer documento técnico que as justificasse e provasse a sua exequibilidade, sendo totalmente impossível proceder à avaliação dos seus impactos económicos e nas contas públicas. A discussão e votação parlamentar processou-se assim sem o devido escrutínio. Era esta a prática corrente na discussão dos orçamentos do Estado na Assembleia da República e o mesmo se verificou no mês passado com o orçamento para 2022.

Com tamanha irracionalidade, é praticamente impossível que a política orçamental seja adequada aos objetivos que lhe cabe prosseguir.

Os livros de finanças públicas apontam como objetivos da política orçamental a eficiência na utilização dos recursos disponíveis, com destaque para a provisão de bens e serviços que satisfazem necessidades sociais, a justiça na distribuição do rendimento, a redução do desemprego, a estabilidade do nível de preços, o crescimento económico e a redução dos desequilíbrios regionais.

O saldo orçamental – superavit, equilíbrio ou défice – nunca surge nos livros como um objetivo da política orçamental porque, de facto, não acrescenta diretamente ao bem-estar económico e social.

O défice do orçamento, tal como o défice das contas externas, são condicionantes da política orçamental que podem impor limites à extensão em que podem ser prosseguidos os seus verdadeiros objetivos.

Então, como se explica que, no recente debate do orçamento do Estado para 2022, se tenha falado muito de défice e quase nada dos seus objetivos? E que o mesmo se verificasse na comunicação social?

Talvez seja um trauma deixado pelas graves crises financeiras por que Portugal passou em 1978, 1983 e 2011, em que o défice das contas públicas ultrapassou 10% do PIB e os mercados se fecharam ao seu financiamento. Quando assim é, não há outro remédio senão erguer o equilíbrio das contas públicas a objetivo prioritário da política orçamental.

A questão que hoje se pode colocar é a seguinte: passados dez anos sobre a última grave crise financeira e as políticas implementadas visando, com sucesso, cumprir as regras europeias de disciplina orçamental, qual é a lógica de que o centro do debate do orçamento seja as “contas certas”, deixando para uma posição muito secundária os objetivos diretamente relacionados com o bem-estar económico e social dos portugueses?

O preocupante nível da dívida pública, que deve ser tido em devida conta, não me parece que o justifique. Recordo que, com inflação alta, o rácio da dívida em relação ao PIB cai automaticamente.

6. Para que o país vença o desafio do crescimento económico, para além da coragem política para a concretização de um choque reformista a que recentemente me referi, é também importante que o poder político cuide da sua credibilidade, um fator intangível importante em política e, em particular, em política económica.

A credibilidade não é um mero slogan. A perda de credibilidade por parte de um governo é uma fatura para os cidadãos.

O conceito de credibilidade é geralmente definido como “o grau em que as pessoas e os mercados acreditam que as políticas anunciadas pelas autoridades são de facto cumpridas”.

A credibilidade das políticas influencia as expectativas e as decisões das famílias e das empresas e o comportamento dos investidores e dos mercados, assim como a capacidade negocial do país. A perda de credibilidade da política económica traduz-se em prejuízo para o desenvolvimento e para as condições de vida dos cidadãos. A credibilidade é criadora de riqueza, o que não acontece com a retórica e a mentira.

A credibilidade é um ativo delicado que leva tempo a conquistar e que pode ser perdido rapidamente. Perdida a credibilidade, para que os agentes económicos e os mercados voltem a acreditar nos decisores políticos é necessário que eles se comportem de forma consistente durante um período de tempo alargado.

A credibilidade é, portanto, um fator que não deve ser ignorado no desafio que a nossa democracia tem à sua frente de reforçar o crescimento da economia. Se o poder político falhar neste domínio e Portugal continuar a perder posições no ranking dos 27 países da UE em termos de desenvolvimento, receio que, como povo, nos falte o ânimo para recuperar e continuemos a cair “na saudade negativa, espécie de profunda melancolia”, como escreveu o Professor Jorge Dias em “Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”.

Apesar de tudo, confio que não será esse o caso. Portugal tem gente boa e trabalhadora. Pense-se no número de portugueses que ocupam ou ocuparam posições destacadas em organizações internacionais: Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, António Vitorino, Diretor Geral da Organização Internacional das Migrações, Jorge Moreira da Silva e Álvaro Santos Pereira, diretores da OCDE, assim como presidentes de grandes empresas internacionais.

Passados 48 anos sobre o 25 de Abril, continuamos a viver em democracia, mas têm sido apontados alguns sintomas de deterioração da sua qualidade. É o caso do aumento da abstenção em sucessivos atos eleitorais, do desinteresse dos jovens pela atividade política e do afastamento crescente das elites profissionais e dos quadros técnicos qualificados em relação à vida político-partidária ativa.

A lei eleitoral para a Assembleia da República tem sido referida como responsável pelo afastamento dos deputados em relação aos eleitores, assim contribuindo para a deterioração da qualidade da democracia.

Penso que é chegada a hora de proceder à revisão da lei eleitoral, criando o círculo eleitoral nacional previsto na revisão constitucional de 1989 e dividindo os círculos eleitorais locais a que correspondem atualmente um elevado número de deputados, como é o caso de Lisboa (48 deputados) e do Porto (40 deputados), de modo a responsabilizar mais os deputados perante os respetivos eleitores.

Sendo o sistema eleitoral um elemento fundamental do funcionamento do sistema político, qualquer alteração deve ser feita com muita ponderação. Há que garantir o equilíbrio entre a representatividade e a governabilidade.

Não se deve impedir a representação parlamentar de correntes de opinião significativas. Mas há, igualmente, que ter em devida conta a governabilidade, um fator chave para que Portugal não continue a ser uma democracia em que o D de Desenvolvimento está permanentemente adiado. Daí que me pareça que os deputados devam ser eleitos segundo um sistema eleitoral proporcional mitigado.

7. Para terminar, uma breve referência à geopolítica económica, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia.

A partir dos anos 90 do século passado o fenómeno da globalização económica, traduzido na liberalização à escala global do comércio, dos investimentos, dos capitais e da informação, registou uma enorme expansão, não apenas nos países democráticos, mas também nos regimes autocráticos como a China, o Vietnam, a Rússia e países do Médio Oriente.

A globalização contribuiu para que mais de mil milhões de pessoas saíssem da pobreza. Em geral, as autocracias registaram uma significativa expansão económica e, hoje, no seu conjunto, representam mais de 30% da economia global, cabendo à China, com os seus 1900 milhões de habitantes, 16% do PIB mundial.

No início, pensava-se que a liberalização política avançaria em paralelo com a liberalização económica, mas não foi isso o que aconteceu.

Na última década assistiu-se mesmo a uma gradual redução da liberalização política e, hoje, o conjunto das chamadas democracias liberais e democracias eleitorais corresponde apenas a cerca de 30% da população mundial.

Já antes da invasão da Ucrânia o apetite pela globalização tinha começado a abrandar, em resultado das guerras comerciais promovidas pelo presidente norte-americano Donald Trump, da crise sanitária mundial da Covid19 e do movimento de boicote dos consumidores ocidentais aos produtos oriundos de países não respeitadores dos direitos humanos.

Por razões de segurança nacional, de espionagem industrial e de segurança de aprovisionamento de produções estrategicamente importantes, os grandes países têm procurado aumentar a sua auto suficiência e concentrar as suas dependências em mercados próximos e confiáveis, de modo a prevenir disrupções nas cadeias logísticas de abastecimento ou sanções impostas por grandes potências.

Na sequência da guerra na Ucrânia, alguns analistas antecipam uma nova ordem, ou uma desordem, mundial em que tendem a formar-se dois grandes blocos: o dos regimes democráticos e o dos regimes autocráticos, procurando cada um afastar-se economicamente do outro e proteger-se das respetivas vulnerabilidades.

A guerra e as sanções impostas à Rússia provocam uma profunda disrupção dos fluxos internacionais de comércio, de investimento e de tecnologia, com efeitos à escala global. É o terceiro golpe na globalização económica na última década.

Estamos ainda no domínio da especulação; a incerteza é grande e não sabemos como será a nova ordem mundial. Mas parece quase certo que será diferente da que conhecemos até há poucos meses.

Estou, no entanto, convencido que a ordem regional que vigora na Europa comunitária, uma construção única no mundo, baseada num amplo conjunto coerente de interesses e valores comuns e de uma densa partilha de soberania, ganhará uma força acrescida na cena internacional. Felizmente, em boa hora, Portugal integrou a UE e o seu núcleo duro, a Zona Euro. Sem essa âncora, o futuro do país seria bastante cinzento.

Nesse novo quadro global, para que uma pequena economia aberta como Portugal possa concretizar o D de Desenvolvimento é fundamental que o poder político não perca a credibilidade, evite erros de política económica, não receie a impopularidade no curto prazo e tenha um sentido reformista.

Mas aquilo em que o mundo ocidental de que fazemos parte não pode hesitar é na condenação e na penalização da Rússia e na solidariedade e no apoio à Ucrânia até que este país recupere a plena soberania sobre o seu território e se torne membro da UE. Se a Rússia controlasse a Ucrânia, seria tentada a desestabilizar as fronteiras com os países da UE e da Nato. Como afirmei noutra ocasião, “é fundamental que os Putines deste mundo não voltem a ter a perceção de que as democracias ocidentais são frágeis”.

Como nota final, neste momento em que estamos já a antecipar a comemoração de cinco décadas da Revolução do 25 de Abril, uma comemoração centrada na liberdade de escolha e de opinião e na democracia pluralista, creio que importa sublinhar a importância do apoio europeu e português à Ucrânia.

O que está em causa é a nossa segurança, a nossa liberdade e a nossa democracia.