Qual a probabilidade de um salto em frente do bem-estar das famílias portuguesas nos próximos 10 Anos? | Ensaio publicado no Expresso

28.06.2024

Qual a probabilidade de um salto em frente do bem-estar das famílias portuguesas nos próximos 10 Anos? | Ensaio publicado no Expresso

Qual a probabilidade de um salto em frente do bem-estar das famílias portuguesas nos próximos 10 Anos?

Aníbal Cavaco Silva

1. O bem-estar das famílias portuguesas depende de vários fatores com impacto direto no nível e qualidade de vida dos cidadãos, de que se destacam o rendimento líquido que auferem, em particular do trabalho, o apoio na velhice, na invalidez e no desemprego, o acesso aos cuidados de saúde, à educação e à cultura, a habitação condigna, a segurança reinante no país, a qualidade do meio ambiente e as oportunidades de lazer[1].

A questão que neste texto pedagógico quero deixar aos leitores é uma daquelas que vale um milhão de dólares: “Qual a probabilidade de, nos próximos 10 anos, Portugal dar um importante salto em frente em matéria de bem-estar das famílias e aproximar-se dos países mais ricos da União Europeia?”

Com um importante salto em frente quero significar um progresso a ritmo muito superior ao verificado ao longo dos anos do século XXI, em que avançámos muito pouco.

O que me proponho fazer é identificar esquematicamente o que não pode deixar de ser feito para atingir esse objetivo e, no fim, deixar aos leitores a interrogação sobre se a probabilidade de o poder político fazer o que lhe compete é muito alta, alta, média, baixa ou muito baixa.

Em linha com o muito que economistas e instituições credíveis têm escrito sobre o futuro do país no médio e longo prazo, considero que o crescimento da produção interna, da produtividade e da competitividade externa são condições necessárias extremamente fortes para uma evolução positiva do bem-estar das famílias portuguesas. A relevância destas variáveis é reforçada pela perspetiva de alargamento da União Europeia, a qual implicará uma redução dos apoios financeiros comunitários a Portugal. Não são condições suficientes, mas sem elas não é possível melhorar significativamente o grau de satisfação da maioria das dimensões do bem-estar.

Como é que essas três variáveis interdependentes influenciam o bem-estar dos cidadãos?

O aumento da produtividade é decisivo para que Portugal deixe de ser um dos países da União Europeia com mais baixo poder de compra do salário médio, o qual tem vindo a aproximar-se do salário mínimo. É necessário que a produtividade iguale, pelo menos, a média da União Europeia.

Por outro lado, sem um crescimento forte da produção interna não é possível combater o desemprego nem gerar os recursos públicos necessários para que o Estado melhore dimensões do bem-estar das famílias como a proteção social, os cuidados de saúde, a educação, a cultura, a habitação, a segurança dos cidadãos e o meio ambiente. É necessário que a produção interna cresça a uma taxa média anual não inferior a 3%.

Por sua vez, a competitividade externa, um domínio em que Portugal está muito mal classificado nos rankings internacionais, é determinante dos níveis de exportação de bens e serviços e de captação de investimento direto estrangeiro e, por essas vias, para o aumento da produção interna e da produtividade.

De que depende a evolução das três variáveis críticas e determinantes do bem-estar das famílias – produção interna, produtividade e competitividade da economia?

Depende, em primeiro lugar, do investimento produtivo e inovador. A taxa de investimento deve voltar a um nível acima de 25%, como se verificou nos anos 80 e 90 do século passado. O stock de capital físico por trabalhador é muito inferior à média europeia. O consumo não deve ser tomado como motor do crescimento da economia.

Como tem sido amplamente reconhecido, a prioridade é o investimento privado nos setores de bens e serviços transacionáveis abertos à concorrência externa, em particular em fábricas, equipamentos, máquinas, tecnologias digitais, investigação e inovação orientada para o mercado. O aumento significativo deste tipo de investimento, em relação ao investimento em construções que atualmente é dominante, assim como o aumento do peso da indústria transformadora, são condições essenciais para que Portugal tenha sucesso.

Ao Estado cabe garantir os investimentos nas infraestruturas de apoio ao desenvolvimento e criar o quadro legal, regulatório e social indispensáveis para que as empresas produzam, invistam e inovem com eficiência.

O investimento de boa qualidade é uma variável estratégica crítica não só do crescimento da produção interna mas também do aumento da produtividade por trabalhador e por unidade de capital, domínio em que Portugal se situa a um nível muito inferior à média europeia.

A produtividade, a grande fonte da prosperidade, depende também da qualidade do fator trabalho e, consequentemente, da capacidade de o país formar e reter talentos e desenvolver competências. Na última década emigraram anualmente, em média, 20.000 portugueses com curso superior em idade ativa. Por outro lado, cerca de um quarto da população empregada em Portugal tem mais de 55 anos, um dos países da União Europeia com a força laboral mais envelhecida.

O facto de as micro e pequenas empresas predominarem em mais de 90% é uma das principais razões da baixa produtividade da nossa economia. Daí a urgência em promover concentrações e fusões de empresas, de modo a ganharem a escala que estimula a adoção de técnicas de gestão e processos tecnológicos modernos que possibilitem o aumento do valor da produção por unidade de trabalho e de capital físico.

Quando na União Europeia se debate a falta de escala das grandes empresas para competirem com a China e os Estados Unidos em setores estratégicos, em Portugal há pouca consciência de que as nossas grandes empresas são pequenas a nível europeu.

De que depende a terceira variável determinante do bem-estar das famílias, a competitividade externa da nossa economia?

A competitividade das exportações de bens e serviços depende do fator preço, o qual é determinado pela produtividade das empresas, pelos custos energéticos e pelos custos de contexto derivados das ineficiências do Estado, assim como da inovação como marca diferenciadora em relação aos concorrentes.

É essencial aumentar o grau de complexidade e o valor acrescentado das exportações, em particular nos sectores de veículos automóveis, máquinas e equipamentos, de modo a baixar o conteúdo de importação das exportações em 10 a 15 pontos percentuais.

A competitividade nacional na captação de investimento direto estrangeiro de qualidade depende da capacidade competitiva em matéria fiscal em relação aos concorrentes, da celeridade do sistema judicial, do nível de burocracia, da qualificação dos recursos humanos e da estabilidade política.

Sem o aumento do peso do investimento estrangeiro será muito difícil a Portugal conseguir o aumento do stock de capital produtivo nos sectores dos bens e serviços transacionáveis e a produtividade, a inovação tecnológica, a integração nas cadeias globais de valor e a modernização do sistema produtivo necessários para alcançar uma melhoria significativa do bem-estar das famílias. A escassez de poupança interna é uma das razões da insuficiente acumulação de capital produtivo.

2. Tendo identificado de forma esquemática o que não pode deixar de ser feito para que o bem-estar das famílias portuguesas dê um importante salto em frente nos próximos 10 anos e o país se aproxime dos mais ricos da União Europeia, a interrogação tipo questionário de opinião que deixo aos leitores e que vale um milhão de dólares é, afinal, a de qual a probabilidade, muito alta, alta, média, baixa ou muito baixa, de serem adotadas as políticas públicas certas.

Perante o que ficou escrito, são políticas de investimento público, de apoio ao investimento privado, de educação e formação profissional, de investigação e inovação, de salários, de impostos, de administração pública, de justiça, de energia, de ambiente e de investimento estrangeiro.

Se quisermos responder ao questionário de opinião, com a preocupação de ter pensado seriamente no assunto, temos de nos interrogar sobre quais os poderes executivo e legislativo do nosso sistema político que estarão em funções nos anos da próxima década detentores das competências para decidir e executar as diferentes políticas. É uma questão que ultrapassa a capacidade de adivinhação de qualquer pessoa.

O que pode ser feito é assumir diferentes hipóteses sobre o quadro político predominante ao longo dos próximos 10 anos e extrair para cada uma delas conclusões sobre a probabilidade de serem tomadas as medidas necessárias.

Exemplificando.

Hipótese geral: O governo em funções, independentemente da sua orientação partidária, considera que o crescimento da produção interna, da produtividade e da competitividade externa é determinante do bem-estar das famílias portuguesas, como é reconhecido pelos economistas e instituições credíveis que têm escrito sobre o futuro do país no médio e longo prazo; os programas com que os partidos se apresentaram às eleições legislativas de março de 2024 não sofrem alterações significativas.

Hipótese específica 1: Governo com apoio minoritário na Assembleia da República; estrutura partidária pouco diferente da atual; dificuldade de entendimento entre o Governo e partidos da oposição para aprovação das políticas.

Hipótese específica 2: Governo com apoio minoritário na Assembleia da República; estrutura partidária pouco diferente da atual; abertura de partidos da oposição para discutir e aprovar as políticas.

Hipótese específica 3: Governo com apoio maioritário na Assembleia da República na sequência da realização de eleições legislativas, antecipadas ou não.

Hipótese específica 4: Governo com apoio minoritário na Assembleia da República; redução do peso dos partidos extremistas na sequência da realização de eleições legislativas, antecipadas ou não; entendimento tipo pacto de regime entre os partidos que apoiam o governo e partidos da oposição para aprovarem as políticas.

Hipótese específica 5; Governo com apoio minoritário na Assembleia da República; aumento do peso dos partidos extremistas na sequência de eleições legislativas, antecipadas ou não; fortes dificuldades de entendimento entre o Governo e partidos da oposição para aprovação das políticas.

Podem ser imaginadas outras hipóteses específicas sobre o quadro político predominante na próxima década. Mas o exemplo destas cinco é suficiente para ajudar os leitores a formar uma ideia sobre qual a probabilidade de o poder político executar as políticas certas para que ocorra um aumento significativo do bem-estar das famílias.

Acrescento apenas que, em minha opinião pessoal, com todo o subjetivismo que encerra, a probabilidade só seria muito alta no caso da hipótese 3 e seria alta na hipótese 4.

Quero com isto dizer que, sem a predominância de um governo que atribua prioridade ao crescimento da produção interna, da produtividade e da competitividade externa e goze de apoio maioritário na Assembleia da República ou que, sendo minoritário, beneficie de um compromisso de regime entre os partidos que o apoiem e partidos da oposição, o bem-estar das famílias portuguesas, nas suas diferentes dimensões, continuará, no fim da próxima década, muito afastado dos países mais ricos da União Europeia.

Esta é, hoje, a minha opinião pessoal. O que de facto se verificou só será sabido daqui a 10 anos, no fim de 2034.

Saber-se-á então qual o quadro político que predominou e poder-se-á avaliar o aumento do bem-estar das famílias que teve lugar e o crescimento na década 2024-34 das três variáveis tomadas neste texto como decisivas – a produção interna, a produtividade e a competitividade externa da economia.

Se estes resultados não se revelarem positivos – faço votos para que não seja esse o caso – poder-se-á apurar onde se situaram as falhas.

Insuficiência de investimento público e de investimento privado nos setores de bens e serviços transacionáveis?

Carência de investimento estrangeiro de qualidade?

Pouca melhoria das qualificações da população ativa?

Avanço limitado no progresso tecnológico e na inovação?

Escassez de poupança interna?

Poder-se-á ir mais longe na análise e apurar quais as políticas públicas relevantes que falharam: fiscal?, justiça?, administração pública?, energética?, educação?, ciência?, laboral?, ambiental?

Poder-se-á concluir que o fracasso se ficou a dever acima de tudo ao quadro político. Terão o poder executivo e a composição da Assembleia da República predominantes tornado muito improvável a adoção das políticas certas para que Portugal tivesse dado um importante salto em frente em matéria de bem-estar das famílias?

No caso de, em 2034, os resultados de bem-estar e das variáveis críticas que o determinam serem negativos, faço votos para que as a análises de economistas e instituições credíveis que entretanto foram sendo feitas influenciem os decisores políticos para que, na década seguinte, 2034-2044, adotem as políticas certas para a concretização do sonho de aproximação de Portugal aos países mais ricos da União Europeia e a geração dos meus netos beneficie de um importante salto em frente do bem-estar das famílias portuguesas.

Não foi isso o que aconteceu na década 2014-2024, apesar do muito que foi dito e escrito sobre os erros das políticas seguidas pelo poder político predominante nesses anos e dos seus elevados custos para os portugueses.

Deixo esta reflexão pedagógica para que, ao longo dos próximos 10 anos, os diferentes agentes políticos possam pensar seriamente nas consequências das políticas adotadas para o bem-estar das famílias portuguesas.

 

[1] O Banco de Portugal publicou um estudo comparativo do bem-estar em Portugal e nos outros países da União Europeia no período 1995-2022, tomando como indicadores do bem-estar dos indivíduos o consumo privado e público, o tempo de lazer, a esperança de vida à nascença e as desigualdades no consumo, em que Portugal ocupava em 2022 a 16ª posição (Boletim Económico, Março 2024).

O Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas toma como indicadores a esperança de vida à nascença, os anos de escolaridade e o rendimento nacional bruto per capita. Em 2022 Portugal ocupava o 42º lugar, tendo atrás de si apenas quatro países de entre os 27 da União Europeia.