A crise económica da Covid19 e a Bazuca: terão os líderes europeus aprendido a lição? – Artigo de opinião no Expresso

06.02.2023

A crise económica da Covid19 e a Bazuca: terão os líderes europeus aprendido a lição? – Artigo de opinião no Expresso

A crise económica da Covid19 e a Bazuca: terão os líderes europeus aprendido a lição?

Aníbal Cavaco Silva

Nos últimos cinco anos a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, em análises de cariz mais técnico, e vários autores, entre os quais me incluo, têm defendido a necessidade de completar a arquitetura da Zona Euro, dotando-a de uma função de estabilização orçamental comum. No entanto, a nível político, os líderes europeus não têm aceitado dar esse passo, considerado da maior importância para reforçar a influência da União Europeia (UE) a nível internacional e o papel do Euro como moeda mundial.

Trata-se da criação de um mecanismo europeu destinado a responder a situações de crise económica atingindo o conjunto de países da Zona Euro e a choques externos negativos sobre a produção e o emprego que atinjam especificamente alguns dos seus Estados-membros. Portugal é um país vulnerável a este tipo de choques, devido à sua dependência das importações de petróleo, gás natural e produtos alimentares e do turismo.

Na ausência desta função europeia de estabilização da atividade económica, o Conselho Europeu, confrontado com a gravíssima crise económica e social provocada pela pandemia Covid19, aprovou, em julho de 2020, por proposta da Comissão, uma iniciativa designada Next Generation EU, que entre nós acabou conhecida como Bazuca. Trata-se de um instrumento extraordinário e temporário no montante de 750 mil milhões de euros destinados a empréstimos e subvenções não reembolsáveis aos Estados-membros, financiado por dívida contraída pela UE no mercado de capitais.

A bazuca, sem dúvida uma iniciativa correta no contexto da insuficiência da arquitetura da Zona Euro, encerra em si um grave problema: o atraso com que a sua aplicação se traduziu em mais despesa dos Estados-membros, tendo sido operacionalizada quando a economia europeia já estava a recuperar do impacto recessivo da pandemia.

Seria um erro pensar que a iniciativa Next Generation EU dispensa a aprovação de um mecanismo orçamental europeu permanente, disponível para ser rapidamente acionado para responder a uma recessão económica global e em que as transferências de fundos para os Estados-membros são feitas de acordo com critérios pré-definidos.

O atraso na operacionalização da iniciativa Next Generation EU foi muito significativo. Exigiu trabalhos técnicos aprofundados, implicou demorados debates a nível político e os Estados-membros tiveram de preparar os respetivos Planos de Recuperação e Resiliência, cuja avaliação pela Comissão Europeia se arrastou durante o ano de 2021 e, em alguns casos, só ocorreu em 2022.

Seria um erro pensar que a iniciativa Next Generation EU dispensa a aprovação de um mecanismo orçamental europeu permanente, disponível para ser rapidamente acionado para responder a uma recessão económica global.

Contudo, nos primeiros meses de 2020 era já bem claro que o impacto negativo da pandemia sobre a economia europeia seria muito forte. O Banco Central Europeu (BCE) reagiu em meados de março através de uma política monetária ultra expansionista.

Uma lição que se tira da crise económica da Covid19 é a de que os líderes europeus, ao não darem seguimento às propostas técnicas de dotar a Zona Euro de um instrumento orçamental de estabilização da atividade económica, cometeram um erro com custos muito elevados para os cidadãos. A queda da produção e o aumento do desemprego teriam sido menores do que aqueles que se verificaram. Em 2021 a produção caiu 6,1% na Zona Euro e 8,3% em Portugal.

Por outro lado, teria sido possível à Comissão Europeia articular com o BCE uma combinação de política monetária e política orçamental comunitária de menor pressão inflacionista do que aquela que se revelou em 2022, com elevados custos para os cidadãos mais desfavorecidos. A inflação foi 8,4% na Zona Euro e 7,8% em Portugal.

Face à dimensão da crise económica da Covid19 é provável que, se tivesse sido anteriormente criado um mecanismo europeu de estabilização, ele não dispusesse de recursos suficientes para a enfrentar, caso em que se justificava a criação de um instrumento complementar extraordinário e temporário, tal como o é a iniciativa Next Generation EU.

Os ensinamentos que se retiram da resposta que foi dada à crise deviam estimular os líderes europeus a, rapidamente, dotar a Zona Euro de uma função de estabilização orçamental comum.

Por um lado, porque a UE pode ser atingida no futuro por uma nova recessão económica global com custos muito elevados para os cidadãos, principalmente se a política monetária do BCE estiver a operar a um nível de taxas de juro muito baixas.

Em segundo lugar, porque a resposta a uma recessão global, para ser eficaz, tem de ser centralizada a nível europeu, mobilizável sem atrasos e devidamente coordenada com a política monetária do BCE.

O precedente de recurso à mutualização da dívida pública europeia, aberto pela iniciativa Next Generation EU, pode contribuir para atenuar a resistência dos Estados-membros em acrescentar à arquitetura da Zona Euro uma função permanente de estabilização da atividade económica.

No entanto, a experiência mostra que alguns Estados-membros podem opor-se a que a aplicação do novo instrumento de estabilização seja extensível a países atingidos especificamente por choques externos, por recearem ser chamados a pagar os custos de políticas erradas e de adiamentos persistentes de reformas por parte dos respetivos governos.

A experiência mostra que alguns Estados-membros podem opor-se a que a aplicação do novo instrumento de estabilização seja extensível a países atingidos especificamente por choques externos, por recearem ser chamados a pagar os custos de políticas erradas e de adiamentos persistentes de reformas.

Para afastar essa desconfiança, esses países poderão exigir o reforço dos mecanismos de supervisão e intervenção europeia nas políticas económicas e orçamentais nacionais, o que pode suscitar forte resistência de outros.

Acresce que é corrente os debates entre os líderes europeus sobre assuntos comunitários serem contaminados por questões de política interna dos Estados-membros alheios aos interesses da UE como um todo, dificultando, assim, que os acordos sejam alcançados.

Apesar de todos os ensinamentos, receio bem que ainda não seja a crise económica da Covid19 a convencer os atuais líderes europeus a avançar na criação de um mecanismo de estabilização orçamental comum. Não vejo neles a visão para impulsionar o processo de construção europeia revelada por Helmut Kohl e François Mitterrand, na resposta ao desmoronamento dos regimes comunistas da Europa de leste, e por Angela Merkel, durante a crise da dívida soberana de 2011-2012.

Compete à Comissão Europeia relançar o debate político para completar a arquitetura da União Económica e Monetária, não esperando pelo fim da iniciativa Next Generation EU, em 2026, para fazê-lo.

(Artigo de opinião publicado no semanário Expresso de 03.02.2023, versão simplificada de parte de um artigo académico a publicar.)