Prof. Cavaco Silva participou na 5.ª Academia de Formação Política das Mulheres Social Democratas

06.03.2021

Prof. Cavaco Silva participou na 5.ª Academia de Formação Política das Mulheres Social Democratas

A convite das Mulheres Social-Democratas e do Instituto Francisco Sá Carneiro, o Professor Aníbal Cavaco Silva participou na 5.ªAcademia de Formação Política para Mulheres, que devido à pandemia teve lugar em formato digital. 

O Professor Cavaco Silva proferiu a seguinte intervenção:

AS MULHERES SOCIAL-DEMOCRATAS E A POLÍTICA NACIONAL

1. Quero começar por explicar às mulheres social-democratas que estão a ouvir-me porque aceitei dirigir-vos algumas palavras nesta sessão de abertura da Academia de Formação Política.

A carta-convite que me foi enviada invocava a intervenção que proferi em junho de 1987, no 1.º Encontro Nacional das Mulheres Social-Democratas, o que muito me sensibilizou.

Foi a recordação desse encontro inesquecível que quebrou a minha resistência de ex-Presidente da República a participar em eventos partidários e abrir uma exceção.

Procurei nos meus arquivos e voltei a ler essa intervenção, feita num tempo de campanha para as eleições legislativas de 19 de julho de 1987 que o PSD venceu. Obteve a sua primeira maioria absoluta, 50,2% dos votos e 148 deputados.

Nessa intervenção, feita há quase 34 anos, fiz uma reflexão sobre as razões pelas quais eram ainda poucas as mulheres que ocupavam lugares destacados no domínio da intervenção política nacional.

Elenquei então algumas ações necessárias para elevar a participação feminina e procurei demonstrar que o aumento da participação das mulheres na política seria muito benéfica para a sociedade portuguesa.

Penso que se registou algum avanço durante os meus Governos, certamente aquém do desejável. 12 Mulheres fizeram parte dos meus Governos, 3 desempenhando funções ministeriais.

Algumas dessas mulheres que integraram os meus Governos marcaram – e continuam a marcar – de forma positiva a vida do nosso País em posições de destaque.

Do mesmo modo, ao longo dos anos, sucederam-se notáveis deputadas e excelentes autarcas, no Continente e nas Regiões Autónomas, tornando cada vez mais forte a presença feminina no PSD.

Importa reforçar a voz feminina na política nacional.

Congratulo-me por isso com esta iniciativa, visando melhorar a compreensão do fenómeno político e estimular a participação das Mulheres social-democratas na vida política.

Esta sessão da Academia de Formação Política ocorre num tempo profundamente marcado pela pandemia, um tempo de dor e sofrimento para muitos milhares de portugueses, um tempo em que emergem como heróis os médicos e os enfermeiros de um Serviço Nacional de Saúde fragilizado por decisões erradas e graves do Governo da “geringonça”.

Respira-se um sentimento de resignação relativamente às autoridades responsáveis pela gestão da crise pandémica.

Mas não podemos deixar de sentir uma certa vergonha ao ver Portugal como recordista mundial em número de mortos por milhão de habitantes, como aconteceu há poucas semanas.

Felizmente, o processo de vacinação está agora a correr bem, um sinal de esperança para todos os portugueses.

Sobre a crise pandémica, um deputado do PSD, o Dr. Ricardo Batista Leite, tem falado com autoridade e clareza, o que tem gerado um evidente incómodo por parte de governantes.

Este é também um tempo em que os erros e omissões do poder socialista, guiado pela preservação do poder, apontam para uma grave crise económica e social e para uma pesada fatura deixada às gerações mais jovens, impossibilitadas de concretizar no País os seus sonhos e ambições de bem-estar.

Usei no passado a expressão “suspensão da normalidade” para descrever o tempo que atravessamos.

Mas o escrutínio do Governo não está suspenso.

A prestação de contas não está suspensa.

A democracia não está suspensa. Não pode estar suspensa.

Os democratas, as mulheres social-democratas, têm de saber defender a democracia.

Os erros têm de ser apontados.

Os abusos têm de ser denunciados.

As alternativas têm que ser evidenciadas.

É triste ver Portugal, que aderiu à União Europeia em janeiro de 1986, ser ultrapassado em nível de desenvolvimento pelos países da Europa de Leste que aderiram em 2004, em situação de atraso económico e social maior do que nós.

Portugal corre o risco de, dentro de poucos anos, ser o último entre os 19 países da Zona Euro, sem que isso pareça incomodar os governantes, apesar de tal significar salários e pensões mais baixas, elevado nível de pobreza e baixa qualidade dos serviços públicos.

O empobrecimento relativo do país, que devia ser um tema de grande preocupação e de debate, está deliberadamente escondido, o que prova que algo não vai bem na nossa sociedade.

Perante a gravidade da situação económica e social e a deterioração da qualidade da nossa democracia a que a “geringonça” conduziu o País e perante a hipoteca que lançou sobre o futuro das gerações mais novas, é chocante o sentido de impunidade que irradia de algumas atitudes e comportamentos do atual Governo.

2. As Mulheres social-democratas devem estar atentas não só à crise sanitária e à crise económica e social que o País atravessa, mas também à deterioração da qualidade da nossa democracia.

É surpreendente a frequência com que ouvimos e lemos notícias que nos deixam uma certa ideia de que o País se encontra numa situação de democracia amordaçada.

Não sei se as notícias são todas verdadeiras.

Mas as notícias divulgadas pela comunicação social são tantas que é difícil não terem algum fundo de verdade.

Recordo alguns exemplos que são do vosso conhecimento.

São as notícias de que políticos que legitimamente criticam a ação do Governo são por ele acusados de “criminosos” e de antipatriotas que promovem “campanhas internacionais contra Portugal”.

São as notícias de que o Governo escolhe para membro da Procuradoria Europeia não quem um júri internacional independente selecionou, mas um procurador da confiança da sua área política, tendo mesmo viciado o curriculum-vitae submetido às autoridades europeias.

É a não recondução do Presidente do Tribunal de Contas.

Um homem que, pela sua integridade e competência, tinha sido eleito pelos seus pares para desempenhar dois mandatos como Presidente do Tribunal de Contas Europeu e que, em Portugal, segundo as notícias publicadas, se tinha destacado na defesa do rigor e da legalidade na utilização dos dinheiros públicos.

A não recondução do Presidente do Tribunal de Contas teve paralelo na decisão do Governo de não reconduzir a Procuradora Geral da República, uma mulher que revelara imparcialidade e que tinha imprimido uma nova dinâmica à investigação criminal, melhorado a imagem do Ministério Público e conquistado a confiança dos Portugueses.

A isto se juntam tentativas de controlo ou desqualificação e desrespeito das entidades independentes da nossa democracia, como é o caso do Banco de Portugal, do Conselho das Finanças Públicas, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP) e outras.

Tal como é frequente a publicação de notícias de que membros do Governo mentem e manifestam falta de bom senso, como foi no caso da proibição dos jovens estudantes beneficiarem de aulas à distância, no quadro das restrições à liberdade imposta pelo combate à pandemia.

Podia ainda acrescentar as notícias sobre a falta de transparência e de verdade do Orçamento do Estado e a reação desrespeitadora do Governo em relação aqueles a quem cabe o escrutínio democrático das contas públicas.

No livro “Uma Experiência de Social-Democracia Moderna” que publiquei recentemente, a propósito do controlo da comunicação social pelo Governo, falei de uma “democracia imperfeita” e escrevi e reitero que, e cito, “episódios recentes da nossa história mais recente fazem crer que um dos riscos que subsiste para a qualidade da nossa democracia é o do jornalismo se alhear dos princípios de independência e de verdade que o devem nortear e aceitar a submissão ao poder político”.

Estas e outras notícias da comunicação social já ultrapassaram as nossas fronteiras, afetando negativamente a reputação internacional do País.

Foi com imenso desgosto que recebi a notícia de que a prestigiada revista The Economist, que leio desde os meus tempos de estudante universitário, tinha deslocado Portugal da lista dos países de Democracia Plena para o grupo de países de Democracia com Falhas.

Numa altura em que nos aproximamos do cinquentenário da Revolução de Abril, creio que devemos ficar muito preocupados com estes sinais de democracia amordaçada divulgados pela comunicação social, sinais que manifestamente não fazem justiça aos que se bateram por uma democracia plena de tipo ocidental em Portugal, a começar por Francisco Sá Carneiro e por Mário Soares.

3. Presumo que a atenção prestada pelas Mulheres social-democratas à crise pandémica, à crise económica e social e à deterioração da qualidade da nossa democracia se enquadra no seu desejo de contribuir para uma mudança de Governo liderada pelo PSD.

Nesse sentido, é da maior importância que a sua Academia de Formação Política promova o debate e a difusão da estratégia mais adequada para terem sucesso.

Sendo esta uma sessão partidária restrita, espera-se que eu me pronuncie sobre esta questão, ainda que sinteticamente.

Em minha opinião, o ponto central de uma estratégia que possa ter sucesso é a identificação do adversário político do PSD.

Parece-me claro que o adversário político do PSD é o atual Governo e o partido de que ele emerge, havendo que não dispersar esforços em relação a qualquer outro partido.

Trata-se de denunciar erros e omissões, violações das regras do Estado de direito, faltas de respeito pela independência do poder judicial, e tentativas de amordaçar a democracia por parte do poder socialista.

Trata-se de defender políticas alternativas adequadas para resolver os problemas do país e melhorar o bem-estar dos portugueses.

Mas nunca recorrendo a insultos. Respeitando sempre as regras da boa educação e não recusando o diálogo. A luta política processa-se entre adversários, não entre inimigos.

Adotando como grande linha de orientação os princípios da social-democracia moderna e europeia que enunciei no livro que publiquei, o objetivo principal dos social-democratas é atrair eleitores que, nas últimas eleições, votaram PS.

Sem isso, o PSD não conseguirá liderar uma mudança de Governo.

A social-democracia moderna é uma ideologia flexível que se adapta às novas realidades e circunstâncias.

Tendo como pilares fundamentais a liberdade, a democracia pluralista e a dignidade da pessoa humana, defende o diálogo e a concertação social, a progressividade na tributação do rendimento, a promoção da solidariedade e da justiça social, o acesso generalizado das crianças e jovens à educação como fator crítico da igualdade de oportunidades, o acesso universal a cuidados de saúde de qualidade, a difusão cultural e a defesa do ambiente e ordenamento do território, isto é, políticas a que são sensíveis eleitores que importa trazer de volta ao PSD.

Por outro lado, a social-democracia moderna é inequívoca e enfática na defesa da economia de mercado, assente na primazia da livre iniciativa privada e da concorrência, como motor do crescimento económico e da prosperidade dos cidadãos.

A social-democracia moderna é também inequívoca na defesa de um sistema fiscal que favoreça a eficiência na afetação dos recursos, a criação de emprego, a inovação e o aumento da produtividade e da competitividade das empresas

A social-democracia é igualmente inequívoca na defesa da autonomia da sociedade civil e da independência da comunicação social em relação ao poder político.

Uma defesa forte, convincente e esclarecedora deste segundo leque de orientações da social-democracia, sem deixar de considerar o Governo e o PS como o adversário político, trará naturalmente ao PSD eleitores do outro lado do espetro político.

Foi a adoção da via reformista e gradualista para a transformação da sociedade e o equilíbrio e a clareza na ação e no discurso sobre as diferentes políticas que caracterizam a social-democracia moderna que permitiram ao PSD atrair no passado um número expressivo de votantes de um amplo espectro político.

É para mim evidente que as múltiplas perguntas que frequentemente são colocadas aos dirigentes do PSD sobre outros partidos políticos por agentes diversos, instruídos para o efeito, têm por objetivo impedir que eleitores que no passado votaram PS se sintam inclinados a voltar à área social-democrata.

É fundamental não cair nessa armadilha.

Nesse sentido, seria importante que a Academia desse formação às mulheres sobre como não responder a uma única pergunta que lhes seja dirigida sobre os outros partidos, quaisquer que eles sejam.

4. Deixo estas breves notas pessoais sobre a política nacional à consideração desta reunião partidária restrita da Academia de Formação Política do PSD.

Faço-o em memória do Encontro Nacional de junho de 1987 e por dever de coerência com o que então afirmei.

Faço-o, acima de tudo, em homenagem às Mulheres Social-Democratas que muito têm dado à vida do País e contribuído para fazer do PSD um partido interclassista, vivo e exigente, com clareza de princípios e de posições, catalisador das melhores qualidades da sociedade portuguesa como Francisco Sá Carneiro idealizou.

O PSD teve um papel fundamental na vida do nosso País nos últimos 47 anos. Foi um papel marcado pela estabilização da democracia, pelo reformismo, pelo desenvolvimento económico e social e, sob a liderança do Dr. Pedro Passos Coelho, pelo resgate da bancarrota, a que o governo socialista conduzira o País.

A crise de identidade que afeta tantos partidos, não se coloca no PSD, que não precisa de ser de direita, nem de esquerda.

Escrevi recentemente que, e cito, “ao longo dos dez anos em que exerci as funções de Primeiro-Ministro sempre recusei a dicotomia esquerda-direita. Para mim, uma velha divisão totalmente ultrapassada” … “mantenho a convicção de que a divisão esquerda-direita, útil à comunicação social e aos partidos mais ideológicos, como instrumento de radicalização do discurso, faz pouco sentido na qualificação de Governos da União Europeia”.

O PSD precisa sim de responder, e já mostrou que é capaz de responder, aos anseios e ambições dos Portugueses, como os resultados concretos da sua ação o demonstram.

O que diferencia o PSD de Sá Carneiro é uma visão de futuro para Portugal, alicerçada nos princípios elementares da social-democracia.

Há que afirmar a social-democracia como a melhor alternativa para Portugal e ir buscar as melhores e os melhores para servir Portugal com competência, verdade e seriedade.

Muito obrigado pelo vosso convite para estar hoje convosco. Desejo- vos uma ótima discussão e muitos sucessos nas vossas vidas pessoais e profissionais e nas vossas atividades políticas.