Lançamento do livro “QUINTA-FEIRA E OUTROS DIAS 2 | Da Coligação à «Geringonça»” na Fundação Gulbenkian

24.10.2018

Lançamento do livro “QUINTA-FEIRA E OUTROS DIAS 2 | Da Coligação à «Geringonça»” na Fundação Gulbenkian

O ex-Presidente Aníbal Cavaco Silva lançou o segundo volume do seu livro “QUINTA-FEIRA E OUTROS DIAS” numa sessão pública que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian.

A apresentação do livro esteve a cargo da Dra. Leonor Beleza.

Na ocasião, o Prof. Cavaco Silva proferiu a seguinte intervenção:

«É com particular satisfação que regresso à Fundação Calouste Gulbenkian, instituição a que muito devo. Aqui iniciei a minha vida profissional como investigador. Aqui comecei a aprofundar conhecimentos académicos que são visíveis em alguns dos capítulos do livro que é hoje apresentado.

Estou extremamente grato à Dra. Leonor Beleza por ter aceitado o convite para apresentar o 2º volume do meu livro “Quinta-Feira e Outros Dias”. Desviei-a de parte do pouco descanso que a Fundação Champalimaud lhe concede para uma leitura que, pela certa, se situa fora do género das suas preferências.

O meu reconhecido obrigado, Dra. Leonor Beleza, pelas suas palavras generosas.

Sobre o livro, quero começar por sublinhar que sempre considerei que a prestação de contas aos Portugueses é um imperativo de quem exerce altos cargos públicos.

Num anexo, incluído neste livro, enumero os livros de prestação de contas da minha ação como Ministro das Finanças e do Plano, como Primeiro-Ministro e como Presidente da República cuja publicação promovi. São 23 publicações.

Nunca receei ser submetido ao exame da consistência intertemporal das posições publicamente assumidas. É algo que muito prezo.

O 2º volume de “Quinta-Feira e Outros Dias” completa a prestação de contas das funções de Presidente da República que exerci no período de 2006 a 2016. Sendo o testemunho de uma década já vivida, encerra, no entanto, muitos ensinamentos para o futuro.

Neste livro dou conta da interação que mantive com o Governo de Coligação presidido pelo Dr. Pedro Passos Coelho e com o Governo apelidado de “Geringonça” presidido pelo Dr. António Costa.

Trata-se de um período particularmente difícil para Portugal e para os Portugueses e um dos mais críticos da nossa democracia.

Foi um tempo profundamente marcado pela execução, sob a vigilância da troika, formada pela Comissão Europeia, o FMI e o BCE, do Programa de Assistência Económica e Financeira subscrito pelo Estado Português para fazer face à situação de emergência financeira a que o País chegara no início de 2011.

Cumprir, diferenciar Portugal da Grécia e evitar um segundo resgate foram constantes não apenas da ação governativa, mas também da minha atuação como Presidente da República.

Destaca-se, nesta primeira parte do livro, o relato dos diálogos diretos que mantive com os Primeiros-Ministros nas nossas reuniões de 5ª feira, os quais foram registados na hora, o que lhes garante total fidedignidade.

A minha experiência política diz-me que os diálogos diretos com o Primeiro-Ministro são um dos meios mais eficazes que, no nosso sistema constitucional, o Presidente da República dispõe para influenciar o processo político de decisão. É principalmente aí que o Presidente exerce a sua magistratura de influência.

O Governo de Coligação PSD/CDS passou por crises políticas graves, mas recompôs-se e completou a legislatura.

A gestão interna de uma coligação é sempre difícil, como o prova o facto de, no Portugal democrático, esta ter sido a primeira a completar o mandato de 4 anos. Os partidos que compõem as coligações procuram distinguir-se do seu parceiro e afirmar-se autonomamente perante a opinião pública, esquecendo, às vezes, os interesses comuns.

Em momentos particularmente difíceis, que são relatados neste livro, os líderes do PSD e do CDS, Drs. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas souberam encontrar o caminho do superior interesse nacional.

Pode-se discordar de algumas opções do Governo da Coligação PSD/CDS – e eu discordei várias vezes. O certo é que o País evitou um 2º resgate financeiro e reencontrou uma trajetória de crescimento económico e criação de emprego.

A saída limpa do Programa de Assistência Financeira foi, em primeiro lugar, uma vitória dos Portugueses que, estoicamente e com grande sentido de responsabilidade, suportaram pesados sacrifícios.

Foi também uma vitória do Governo e do Primeiro-Ministro que, num contexto internacional particularmente adverso, se empenharam em cumprir os compromissos assumidos pelo Estado português com as instituições internacionais que concederam os empréstimos indispensáveis para enfrentar a situação de quase bancarrota a que Portugal chegara no princípio de 2011.

Sobre o legado da execução do Programa de Assistência Financeira imposto pela troika, o Banco de Portugal, no seu relatório de 2014, escreveu: “Os principais desequilíbrios macroeconómicos da economia portuguesa registaram uma correção assinalável nos últimos três anos”.

Ao Governo de Coligação PSD/CDS sucedeu uma solução governativa inédita. O seu complexo e demorado processo de gestação é descrito num capítulo dedicado ao “Parto da Geringonça”.

Antes de tomar a decisão de empossar o novo Governo, ouvi, para além dos partidos políticos, os parceiros sociais, o presidente do Conselho Económico e Social, os presidentes dos conselhos de administração dos seis maiores bancos que operavam em Portugal, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos e sete economistas, seis dos quais tinham exercido as funções de ministro. Foram, ao todo, 23 reuniões.

Por outro lado, exigi ao líder do PS o esclarecimento por escrito de várias questões. O meu objetivo era responsabilizar publicamente o futuro Primeiro-Ministro relativamente a orientações estratégicas do Governo que considerava particularmente relevantes para o futuro do País e minorar os riscos associados à solução governativa proposta pelo PS.

Um Governo apoiado por partidos que até então sempre haviam discordado das opções estratégicas em que assentava o posicionamento internacional de Portugal não podia deixar de me suscitar dúvidas.

Os 8 últimos capítulos, que formam a segunda parte do livro, não respeitam à minha interação com o Governo e cobrem os meus dois mandatos. Neles se trata de uma das áreas que muito mobilizou a minha atenção: a diplomacia presidencial. Foi muito intensa e complexa a agenda internacional que me coube cumprir.

Considero que a defesa dos interesses e da projeção de Portugal no plano externo, visando objetivos políticos, culturais, científicos e económicos, foi uma das ações mais importantes que me coube levar a cabo como Presidente da República. A ela dedico três capítulos.

Entre outras coisas, revelo as exigências que, em meu entender, era fundamental respeitar para assegurar a eficácia da diplomacia presidencial: a coordenação e concertação com o Governo, o estudo aprofundado dos assuntos, a definição dos objetivos a alcançar em termos de interesse nacional – os objetivos específicos do diálogo com os líderes políticos de Angola e de Moçambique –, a escolha das mensagens-chave a transmitir aos interlocutores e ao tipo de audiência a que me dirigia.

Tendo sido o Presidente da República que, até à data, menos condecorações atribuiu, entendi, num capítulo dedicado a homenagens a pessoas e instituições, dar conta aos portugueses dos critérios que me orientaram nesta matéria, tendo presente que, na concessão de uma condecoração, não está em causa um reconhecimento pessoal do Presidente pelo condecorado, mas sim o reconhecimento da República.

Para terminar alguns agradecimentos.
Ao Dr. António Araújo, por ter aceitado o convite para escrever o posfácio do livro.
À Porto Editora pelo cuidado que colocou na edição da obra.
Renovo o meu sentido agradecimento à Dra. Leonor Beleza. Nesta apresentação, são sobretudo as suas palavras que contam e delas sou beneficiário.
Agradeço a todos os presentes terem-se dado ao incómodo de, neste fim de tarde, se deslocarem à Gulbenkian. A todos um abraço amigo.

Dediquei este livro aos meus 5 netos e, através deles, aos jovens da sua geração. Essa geração encontrará nos 2 volumes de “Quinta-Feira” ensinamentos para que não permitam que os Governos voltem a deixar cair Portugal numa situação de bancarrota e na consequente necessidade de chamar a troika para impor pesados sacrifícios aos Portugueses.

Por fim, quero dizer-vos que foi para mim uma enorme honra servir Portugal enquanto Presidente da República e enquanto Primeiro-Ministro. Coloquei sempre em primeiro lugar o superior interesse nacional, que é o mesmo que dizer, aquilo que considerei ser o melhor para todos os Portugueses. A todos, sem exceção, estarei sempre imensamente grato.

Fotos: Tito Calado/Nova Gente | António Cotrim/Lusa | Luís F. Catarino