Intervenção do Prof. Cavaco Silva na sessão de homenagem a Couto dos Santos

27.01.2025

Intervenção do Prof. Cavaco Silva na sessão de homenagem a Couto dos Santos

O Prof. Cavaco Silva gravou um testemunho para a sessão de homenagem “Relembrar Couto dos Santos”:

Recordar Couto dos Santos

Foi há menos de um ano, em Maio de 2024, que dirigi ao Engenheiro Couto dos Santos uma carta por ocasião dos seus 75 anos.

Meses depois, recebi Couto dos Santos aqui no meu gabinete e pude constatar que ele retinha o brilho da criatividade e a energia de antigamente, próprio da juventude.

Sempre activo, sempre empenhado, sempre com vontade de fazer coisas.

Compreendem por isso o absoluto choque que constituiu, no passado dia 6 de Janeiro, a notícia da sua morte.

Saúdo, pois, esta iniciativa de recordar António Couto dos Santos e o seu contributo para o desenvolvimento do país e a sua participação nos meus governos, em diferentes pastas.

E agradeço o convite para vos dirigir umas palavras.

Chamei a Couto dos Santos “o ministro das questões difíceis” e já lá irei.

Antes disso, quero recordá-lo como um secretário de Estado – e depois Ministro – que foi pioneiro nas questões da Juventude.

A política de Juventude foi uma prioridade dos meus governos. Esta política teve pela primeira vez projecção política, contribuindo de forma decisiva para colocar a maioria dos jovens portugueses ao lado do projecto político reformador do PSD.

Como Primeiro-Ministro, comecei por colocar a pasta da Juventude na minha dependência directa. O secretário de Estado Couto dos Santos, com quem despachava directamente, revelou uma extraordinária capacidade de trabalho e grande imaginação e criatividade.

Gostava das reuniões em que ele vinha ao meu gabinete despachar. Tinha sempre ideias novas para me apresentar, o que ia muito ao encontro da minha vontade de fazer coisas, de ver a mudança a acontecer.

A Couto dos Santos se deve, entre muitas outras iniciativas, a criação do Crédito Jovem para aquisição de habitação, o Cartão Jovem, o programa de Ocupação dos Tempos Livres, a criação do Conselho Consultivo da Juventude, o início da redução do serviço militar obrigatório e a criação do subsídio de inserção dos jovens na vida activa.

Couto dos Santos deu um contributo importante para que, nas eleições de Julho de 1987, os jovens tivessem estado, maioritariamente, do lado do PSD, dando à campanha eleitoral um entusiasmo, uma alegria e um dinamismo inesquecíveis e que foram decisivos para a conquista da maioria absoluta.

Na formação do meu segundo governo, em 1987, decidi promover Couto dos Santos a ministro, reconhecendo as qualidades por ele demonstradas, mas também dando um sinal da atenção especial que me mereciam as questões da juventude.

Apesar do seu feitio reservado, Couto dos Santos não conseguiu esconder quanto se sentia lisonjeado com o convite para ministro Adjunto e da Juventude.

Então atribuí-lhe também a responsabilidade pela área da comunicação social.

É nesta área que Couto do Santos ganha, como tive a oportunidade de referir, a qualificação de “ministro das questões difíceis”.

A liberalização da comunicação social constituiu uma das reformas mais marcantes dos meus Governos.

Portugal não seria uma democracia europeia moderna sem pôr fim à situação anómala de domínio quase total da comunicação social por parte do Estado, em resultado das nacionalizações de 1975.

Foi logo nos primeiros tempos do meu Governo de maioria absoluta que dei indicações ao ministro Couto dos Santos para avançar com o processo de alienação dos jornais que eram propriedade do Estado, dando sequência ao trabalho anteriormente iniciado.

Nos anos de 1988 e 1989 foram alienados os jornais A Capital, o Diário Popular, o Jornal de Notícias, O Comércio do Porto e o Record e, em 1991, o Diário de Notícias. Com estas alienações encerrou-se o ciclo estatizante da imprensa portuguesa, passando o País a dispor de jornais totalmente privados, libertos de toda a interferência governamental.

A acção de Couto dos Santos foi também determinante no processo de atribuição das licenças de televisão a operadores privados. Foi um processo difícil, que não irei detalhar, mas que constituiu uma grande mudança na sociedade portuguesa.

Sinto ainda hoje um certo orgulho por terem sido governos por mim chefiados a realizar esta transformação profunda: partindo em 1985 de uma situação de controlo quase absoluto dos órgãos de comunicação social pelo Estado, terminámos em 1995 com dois canais privados de televisão em funcionamento, sem qualquer jornal detido pelo Estado e apenas com o serviço público de rádio e televisão.

Couto dos Santos foi fundamental neste processo muito delicado, em que ambos fomos alvo de grandes pressões.

Por fim, coube a Couto dos Santos a dificílima tarefa de liderar uma mudança crucial no nosso sistema de ensino, que trouxe alguma impopularidade ao meu Governo, talvez pessoalmente também ao ministro. Era uma mudança que se impunha.

Em 1992, Couto dos Santos tornou-se Ministro da Educação, depois de ter sido Ministro Adjunto e da Juventude e Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares.

O ensino superior era, até então, praticamente financiado por inteiro pelo dinheiro dos contribuintes, já que o montante das propinas pago por aqueles que o frequentavam se mantinha inalterado há mais de 50 anos.

Significava isto que os filhos das famílias mais ricas eram subsidiados por muitos contribuintes eventualmente mais pobres.

Dei indicações ao ministro da Educação Couto dos Santos para preparar uma proposta de lei de actualização das propinas a apresentar à Assembleia da República.

Estudámos várias hipóteses para o novo regime de propinas e discuti-as demoradamente com o ministro da Educação, tendo em vista encontrar uma solução justa e razoável.

Foi decidido que o pagamento integral das propinas só seria exigido aos alunos de famílias de rendimentos claramente elevados, ficando os restantes isentos ou sujeitos a uma redução do seu montante.

A receita arrecadada seria destinada ao apoio aos alunos de famílias mais carenciadas e à melhoria das condições pedagógicas.

Actuei por forma a que o ministro da Educação sentisse que contava com o meu total apoio.

O ministro foi, como sabem, o alvo preferido dos estudantes, os quais, pelas palavras de ordem que utilizavam e por algumas atitudes tomadas, foram mais tarde qualificados como «geração rasca» no editorial de um jornal diário.

O empolamento da questão das propinas foi uma oportunidade para o Presidente Mário Soares desgastar o Governo e para os partidos da oposição fazerem demagogia.

O sistema de propinas foi suspenso pelo governo seguinte, mas apenas por um ano. Foi sendo depois adaptado e tornando-se gradualmente semelhante ao que o meu Governo tinha desenhado.

Mantive, ao longo dos anos, alguns contactos com Couto dos Santos.

Mantive, sobretudo, uma admiração pela sua maneira de estar, pela sua jovialidade, energia e dinamismo, que tanta falta fazem à nossa classe política.

Foi sempre um homem com uma forte vontade de contribuir para um Portugal mais desenvolvido e mais justo.

Sei, por experiência própria, que António Couto dos Santos foi um português a quem o País muito deve.

É com emoção que o recordo nesta sessão de homenagem.

 

Veja aqui o vídeo da sessão de homenagem:

Relembrar Couto dos Santos